quinta-feira, 1 de abril de 2010

PARECER FINAL

Caros alunos,
Queiram, por favor, postar aqui a sua opinião sobre o Curso da Disciplina "Teoria do Conhecimento Científico". Trata-se de avaliar o material didático, o método de aula e o desempenho do próprio aluno nas atividades da disciplina.

AVALIAÇÃO FINAL

Caros Alunos,
A AVALIAÇÃO FINAL Na Disciplina Teoria do Conhecimento Científico será constituída pela redação de um texto original que deverá ter duas páginas, no mínimo e quatro paginas no máximo, ou cerca de 500 até 1.000 palavras, versando sobre um tema discutido nas aulas ou nos textos examinados durante o curso da disciplina.
Os textos deverão ser postados como comentário a esta mensagem. E serão recebidos até as 24:00hs. do dia 04 de maio de 2010.

LEMBREM-SE que o resultado do desempenho dos alunos nesta disciplina envolve: a)participação nas aulas; b)envio de comentário a todos os textos postados neste site; c)elaboração da AVALIAÇÃO FINAL.

CAPÍTULO 12 - Progresso Científico e Eliminação de Contradições

PROGRESSO CIENTÍFICO E ELIMINAÇÃO DE CONTRADIÇÕES


Introdução


Neste texto, pretende-se explorar a tese de Popper apresentada em "Intellectual autobiography", onde ele afirma que a "tríade dialética" (tese- antítese-síntese) pode ser interpretada como uma forma de seu método de tentativa e eliminação do erro. (1) Em um propagado artigo escrito em 1937, publicado na revista Mind 49 (1940), posteriormente revisto e republicado em Conjectures and refutations, em 1963, com o título "What is dialetic?", Popper critica a dialética em dois de seus então correntes significados: a) como teoria da lógica; b) como interpretação geral do mundo.(2)

1.


A dialética como teoria da lógica - ou lógica dialética - preconiza o abandono da "lei da exclusão das contradições". Com isto se pretendia preservar o caráter fértil das contradições como recurso lógico de compreensão do real.

Recorrendo a regras de inferência, pode-se argumentar que se uma teoria contém uma contradição, ela implica tudo, por conseguinte, implica nada. Dessa forma, uma teoria que implica contradição é inútil como teoria. Popper afirma: “No momento, devo afirmar que nossa análise não conduz à conclusão de que a dialética tem qualquer semelhança com a lógica, pois a Lógica pode ser descrita - de maneira superficial, mas suficiente para o presente propósito - como uma teoria da dedução. Não temos razões para acreditar que a dialética tem algo a ver com dedução.(3)

A força dessa crítica a certas interpretações da dialética pode ser minimizada com a alegação de que ela não demonstra de forma irrecorrível a inutilidade de teorias contraditórias, pois estas podem ter interesse em si mesmas e, ainda, podem ser corrigidas de modo a tornarem-se consistentes (impedindo que se cheguem às falsas conclusões implicadas logicamente na teoria).

Contudo, a crítica continua a valer, pois, se adotarmos uma teoria da dedução que admita a contradição, isso nos impedirá de procurar uma outra teoria que seja melhor do que ela. Se aceitarmos as contradições, já não haverá razões para a crítica - será o colapso da ciência e o fim do progresso intelectual. Criticar consiste, em grande parte, na tentativa de descobrir as contradições que uma teoria apresenta. O progresso resulta da superação dessas contradições. (4)

2.


A dialética como interpretação geral do mundo é apresentada por Popper como decorrente da postura idealista de Hegel, do materialismo dialético e do historicismo de Engels e Marx. (5) Ele argumenta que o idealismo hegeliano é:

1. uma forma de racionalismo reforçadamente dogmático, pois constitui um sistema assegurado contra qualquer tipo de dúvida, na medida em que esse sistema está pronto para conviver com contradições;

2. ambíguo em suas expressões, pois descrever o desenvolvimento da razão em termos dialéticos - que, aliás, podem ser reconhecidos como especialmente apropriados na interpretação da história da filosofia - implica na idéia de que a dialética é uma teoria do raciocínio. Contudo, quando se aplica a interpretação dialética do pensamento ao raciocínio científico isso só gera ambigüidades. Os episódios da história da ciência podem ser interpretados à luz da teoria dialética, contudo, a dialética não é apropriada para a interpretação da lógica do raciocínio científico;

3. totalmente absurdo, pois Hegel, em sua teoria da identidade, identifica a razão com a realidade. Assim, com base na tese que a razão se desenvolve dialeticamente, conclui-se que o mundo deve obedecer às leis da dialética. Popper argumenta que o "panlogismo" hegeliano desconsidera o fato de que a inexistência de fatos contraditórios não decorre de leis da física, mas é tão somente uma exigência lógica, isto é, decorre das normas que regulamentam o uso da linguagem científica.

A dialética, na interpretação de Marx, torna-se materialismo histórico. Nesse sentido, é passível de ser considerada como racionalismo reforçadamente dogmático e como ambígua em suas expressões. E, sem tirar muita vantagem disso, ela abandona a teoria da identidade de Hegel. Em Marx e Engels, a dialética torna-se teoria do desenvolvimento social. Nesse sentido, as contradições seriam as forças dinâmicas do desenvolvimento histórico. Entretanto, a dialética não pode ser tida como base segura para previsões científicas. Isso decorre, principalmente, de seu caráter irrefutável. Ela é suficientemente vaga e elástica para ajustar suas previsões a qualquer situação.(6)

Marx acreditava no desenvolvimento do conhecimento e da sociedade. Porém, os marxistas adotaram uma atitude dogmática e conservadora em relação ao sistema de Marx. Isso ocorreu na medida em que eles tomaram a interpretação marxista da dialética como a última palavra.

Como forma de reação a isso, Popper sugere que se abandone a interpretação marxista da dialética e que se procure entendê-la como forma do método de tentativa e eliminação do erro. Ele insiste na sugestão de que seria preciso dissociar Marx e suas idéias progressistas, evolucionárias, e até revolucionárias, da influência conservadora e totalitária de Hegel. O ‘marxismo científico’ teria feito das idéias de Marx um sistema dogmático "...impedindo o desenvolvimento científico que poderia ter experimentado".(7)


3.


O ponto central do argumento contra a dialética como teoria da lógica é que ela implica em contradição. A dialética, como teoria da lógica, é contraditória, pois, embora construída para preservar o caráter frutífero das contradições, resulta numa teoria estéril do argumento dedutivo. Essa lógica dialética pressupõe que as contradições são extremamente férteis para se compreender o real e produzir o progresso. Disso resulta, contraditoriamente, uma teoria da inferência lógica, na qual as contradições tornam as teorias inúteis, e a aceitação da negação torna a descoberta do novo um instru- mento de manutenção do ‘status quo’.

A resposta dialética a essa objeção só pode ser no sentido de aceitar a tese de que a dialética é de fato contraditória. E, nesse sentido, seria a síntese da fertilidade e da esterilidade de que é acusada. Seria progressista e conservadora ao mesmo tempo, mantendo o mesmo caráter contraditório de tudo o que é real. Dessa forma, seria neutralizada a crítica. Assim, Popper aponta o caráter contraditório da dialética como teoria da lógica. Ela seria uma teoria da argumentação estéril-fértil. E nada se seguiria da crítica popperiana. Disto resultaria, portanto, que o argumento de Popper teria novamente razão ao expor o caráter reacionário dessa teoria do argumento. Nesse sentido, a lógica dialética não seria inconsistente, teria tratado a crítica de tal forma que, embora ela estivesse correta, disso nada haveria de se seguir. Nenhum ganho teria havido, nem dessa contradição apontada pelo argumento, nem de nenhum outro argumento possível. E isso certamente sugeriria o fim da atividade intelectual. Popper diz: “Assim, precisamos dizer ao dialético que ele não pode manter essas duas posições ao mesmo tempo. Ou ele está interessado nas contradições por causa de sua fertilidade: então, necessita recusá-las; ou ele está preparado para aceitá-las: então, elas serão estéreis e a crítica racional, a discussão, e o progresso intelectual serão impossíveis. A única "força" que provoca o desenvolvimento dialético é a nossa determinação em não aceitar, ou rendermo-nos às contradições entre a tese e a antítese. Não existe uma força misteriosa dentro dessas duas idéias, nem uma tensão misteriosa entre elas, que promova o desenvolvimento - é simplesmente nossa decisão, nossa resolução de não admitir contradições, o que nos induz a procurar por um ponto de vista novo, que nos permitiria evitá-las. Essa resolução é inteiramente justificada, porque pode ser facilmente mostrado que, se alguém aceitasse as contradições, então, teria de abandonar toda atividade científica: isso significaria o completo fracasso da ciência.” (8)

O ponto central do argumento contra a dialética como teoria geral do mundo é que ela corresponde a uma linguagem vaga e metafórica.
A teoria de que as contradições são necessárias em razão da sua fertilidade, é uma forma metafórica e ambígua de se referir a nossa decisão de superar as situações contraditórias. Essa linguagem metafórica é perigosa, porque pode implicar a idéia de que não necessitamos evitar as contradições, o que significaria o fracasso da crítica e da racionalidade. (9)

A dialética, como teoria geral do mundo, tem sido expressa por meio de uma linguagem metafórica e confusa, na qual, em vez de "tese-antítese- síntese", fala-se em "negação", no lugar de "antítese", e "negação da negação", no lugar de "síntese". Usa-se o termo "contradição" quando o que de fato se quer dizer é "conflito" ou "oposição de tendências".

A linguagem vaga na qual têm resultado as análises dialéticas tem permitido que se mantenha a idéia de que ela é uma teoria geral do mundo capaz de interpretar todos os processos de desenvolvimento. Descrever, por exemplo, o processo pelo qual uma semente produz uma planta, que produz outras sementes, em termos de tese-antítese-síntese, é usar uma interpretação tão vaga de dialética que resulta em afirmar quase nada. (10)

4.


A resposta mais extensa e sistemática às críticas de Popper a certas interpretações da dialética foi publicada por Maurice Cornforth em 1968. (11)

Cornforth alega que, diferentemente 'daquilo que é suposto no argumento de Popper, o enfoque materialista dialético, recomendado por Marx e Engels, deveria ser interpretado em oposição ao "erro idealista da falsa abstração", ou o "tipo de erro implicado na palavra metafísica.” (12) Assim, o sentido da dialética engeliana e marxista pode ser captado em sua oposição à "metafísica". A dialética consistiria em alternativa diante da constatação do fracasso da metafísica em conectar e inter-relacionar as coisas. A metafísica, ao considerar as coisas individualmente, teria perdido o sentido das interconexões que constituem o real. (13) Cornforth diz: “A interpretação que Engels faz da dialética torna claro que, para o marxismo, o enfoque dialético significa considerar as coisas em suas reais interconexões, em vez de separadas e, portanto, em suas mudanças (vindo a ser e se extinguindo) em vez de abstrair da mudança.” (14)

No que tange às críticas de Popper à dialética em Hegel, Cornforth assume-as na extensão suficiente para se desfazer do idealismo hegeliano. Contudo, pretende resgatar o significado da dialética implicado em Hegel
.
Na interpretação de Cornforth, a tradição filosófica teria produzido um enfoque materialista metafísico. Hegel teria contribuído com uma visão idealista dialética. Porém, apenas em Marx é que se teria produzido um modelo materialista dialético de filosofia. Cornforth afirma: “Hegel (e, em grau menor, Platão) oferece uma lição de como um bom enfoque dialético, oposto ao enfoque não-dialético ou metafísico, pode transformar-se em bobagem ao ser combinado com o idealismo. O pensamento materialista, anterior a Marx, da mesma forma, fornece uma lição de como um bom enfoque materialista, oposto ao idealismo, pode se tornar uma bobagem ao ser combinado com a metafísica ou ao se tornar não-dialético".(15)

O que a interpretação de Cornforth sobre a obra de Hegel parece sugerir é que o materialismo dialético de Engels e Marx expressam o que há de melhor nessa obra.
Segundo Cornforth, o argumento de Popper de que o materialismo dialético expressa um dogmatismo reforçado não procede. Embora constituído por princípios metodológicos gerais, o materialismo dialético não implica previsões, sendo, portanto, irrefutável. Porém, as previsões baseadas no materialismo dialético seriam falseáveis. Do que se segue que a acusação de "dogmatismo reforçado" só seria pertinente se dirigida à atitude de certos marxistas. (16)

O problema com a resposta de Cornforth às críticas de Popper a certa interpretação da dialética é que ele não responde de fato às críticas feitas. Apenas contesta de forma direta a alegação de Popper de que a interpretação identificada como alvo da crítica é a interpretação de Marx e Engels.

A interpretação que Cornforth apresenta do significado da dialética em Engels e Marx é, em grande parte, uma reação às críticas de Popper. O que isso significa é que Conrforth teria produzido uma interpretação do significado da dialética em Marx e Engels de forma a escapar dos pontos críticos apontados por Popper. O que Cornforth faz é produzir uma interpretação de Engels e Marx, para os quais as críticas de Popper perderiam a sua força. Em última instância, ele parece contrapor sua interpretação de Engels e Marx à interpretação de Popper. O que ele parece produzir, contudo, é muito próximo de uma interpretação popperiana de Marx e Engels.

Tomemos apenas dois exemplos de como isso acontece. Primeiramente, Popper critica a interpretação de que a dialética seria uma teoria da dedução, da qual se excluiria o princípio de identidade. Em resposta, Cornforth interpreta a dialética de forma que ela não implique a exclusão do princípio de identidade. (17)

Em segundo lugar, Popper critica Hegel, Marx e Engels por causa de sua teoria geral do mundo. Cornforth alega que, assim como o rei Midas, que transformava tudo o que tocava em ouro, Popper reduz tudo o que discute a absurdos. Assim, o materialismo dialético lhe parece uma bobagem, porque a reconstrução que ele faz é absurda. (18)

De uma forma geral, a resposta de Cornforth às críticas de Popper poderiam ser resumidas na constatação de que aquele pretende indicar o sentido da verdadeira crítica. Verdadeira seria a crítica construtiva. E esta consistiria em aplicar as regras do método materialista dialético. As críticas de Popper não são fundamentadas num enfoque materialista dialético, do que se segue que elas operam com falsas abstrações. Segundo Cornforth, o materialismo dialético constitui 'uma base legítima', porque as teorias que não o empregam permanecem abstratas e parciais". (19)

Assim, criticar o Marxismo conforme os princípios do materialismo dialético, consistiria em apontar os desvios na aplicação desses mesmos princípios. Criticar os marxistas consistiria em demonstrar que eles não foram suficientemente longe na aplicação daquilo que Marx, Engels e Lenin estabeleceram como método da investigação.(20)


5.



Popper argumenta que a dialética - ou a teoria da tríade dialética pode ser descrita nos termos de uma teoria que sustenta que certos desenvolvimentos ou processos históricos se desenrolaram de forma típica. Contudo, nesses casos, assim como em outros, seria mais elucidativo considerá-la como parte da teoria da tentativa e eliminação do erro. Popper afirma: “A dialética ou, mais precisamente, a teoria da tríade dialética, sustenta que certos desenvolvimentos, ou certos processos históricos, ocorrem numa certa forma. Assim, ela é uma teoria empírico-descritiva, comparável, por exemplo, com a teoria que afirma que muitos dos organismos vivos aumentam seu tamanho durante certo estágio de seu desenvolvimento, que então permanece constante para, finalmente, diminuir até que eles morram, ou com a teoria que sustenta que as opiniões são mantidas dogmaticamente, num primeiro momento; em seguida, ceticamente, e, somente depois, num terceiro estágio, com um espírito científico, isto é, criticamente. Assim como essas teorias, a dialética não é aplicável sem exceções - a menos que forcemos as interpretações dialéticas - e, do mesmo modo que essas teorias, a dialética não tem uma especial afinidade com a lógica.” (21)

O argumento parece sugerir que, dar à dialética uma interpretação evolucionária, baseada na teoria da tentativa e eliminação do erro, poderia resgatá-la de suas atuais dificuldades e dar-lhe uma forma mais adequada às exigências de construção de teorias racionais.

A interpretação evolucionária do conhecimento humano faz parte do contexto mais amplo da teoria geral da evolução da vida. Popper argumenta que existem três níveis em que se processa a adaptação do ser humano e, nesses três níveis, o processo de adaptação é sempre o mesmo: (22)

1. A adaptação genética, que corresponde à mutação de um gene; isso altera a relação com o meio ambiente, do que se segue a possibilidade de novas adaptações genéticas.

2. A adaptação comportamental, que corresponde à mutação do comportamento; isso significa a mudança do próprio meio ambiente, do que se seguirão pressões no sentido de que novas alterações genéticas se processem.

3. A adaptação cognitiva, que corresponde à mutação das teorias ou idéias. Essa adaptação acontece, principalmente, por meio da produção do conhecimento científico.

Baseando-se em problemas, ou em situações-problema, o ser humano propõe certas conjecturas ou hipóteses, que talvez resolvam esse primeiro problema. Mas novos problemas surgirão, ainda mais profundos e comprometedores, cuja solução conjectural proporá outros ainda mais numerosos. Assim evolui o conhecimento racional, do qual a ciência é um caso particular.

Todo processo de adaptação surge da existência de uma "estrutura herdada", que se corresponde nos três níveis. Assim, há a "estrutura genética do organismo", que é o fundamento da adaptação genética; há o "conjunto inato de padrões de comportamento", que é o fundamento da adaptação comportamental; e, finalmente, há as "teorias e conjecturas científicas vigentes", que constituem o fundamento da adaptação cognitiva. Essas estruturas herdadas são sempre transmitidas pela instrução. Assim, o ser humano é instruído genética, comportamental e cognitivamente.

Essas "estruturas herdadas" sofrem certas pressões, que exigem mutações ou adaptações ou evolução. As instruções herdadas, quer geneticamente quer por meio da tradição, estão sujeitas a pressões, desafios e problemas e, conseqüentemente, sofrem variações. Porém, há ainda um problema a ser resolvido, pois a "estrutura herdada" sofre pressões que surgem no interior da própria estrutura, podendo ocorrer, assim, modificações ou variações nas "instruções herdadas". Cabe, ainda, indagar sobre a forma pela qual se processa a "seleção" entre mutações ou variações possíveis.

A seleção se processa pelo método do ensaio e da eliminação do erro. As tentativas não adaptadas perecem, enquanto as mais adaptadas e de maior sucesso se transmitem. Dessa forma, embora o processo caminhe para mutações solucionadoras de problemas, jamais atingimos uma solução final. Há sempre a possibilidade de uma nova mutação mais apropriada para atender as pressões exercidas sobre a estrutura. Na análise de Popper: “Cumpre notar que, via de regra, não se atinge o estado de equilíbrio adaptativo em qualquer aplicação do método da tentativa e eliminação do erro, isto é, pela seleção natural. Em primeiro lugar, porque soluções perfeitas, ou ótimas, para o problema, dificilmente se apresentam. Em segundo lugar - e este é o ponto importante -, porque a emergência de novas estruturas, ou de novas instruções, provoca uma alteração da situação ambiental. Elementos novos dos ambientes podem tomar-se relevantes: em conseqüência, novas pressões, novos desafios e novos problemas podem manifestar-se, como resultado de mudanças estruturais que surgiram de dentro do organismo.” (23)

A teoria da ciência inspirada nessa perspectiva evolucionista estabelece as bases para uma teoria evolutiva do progresso científico. Há, portanto, um esquema válido, que representa uma descrição racional da emersão do ser humano no processo evolucionário, da autotranscendência por meio da seleção e da crítica racional. (24)

Esse esquema toma evidente a analogia que existe entre a evolução biológica, até o surgimento do ser humano, e o processo do conhecimento científico.

Esse processo é de natureza evolutiva. Aplica-se tanto à evolução biológica dos seres vivos como ao progresso do conhecimento científicos. (25)


Conclusão


Apesar da confissão de Popper de haver proposto seu esquema evolucionário, ao tentar interpretar o processo trifásico da dialética tese-antítese-síntese, como considerando-a uma forma do método de tentativa e erro, podemos notar que a similaridade entre os dois processos é apenas superficial. (26) No processo dialético hegeliano, as contradições são partes integrantes do processo, não devendo, portanto, ser eliminadas; elas representam elementos impulsionadores do processo, não havendo lugar para a atitude crítica. (27)

Por outro lado, no esquema evolucionário, a eliminação do erro processa-se por meio das críticas que procuram identificar as contradições e eliminá-las. A eliminação das contradições significa o crescimento do conhecimento na busca da verdade. Portanto, o esquema evolucionário de Popper não pode ser entendido como análogo ao processo dialético hegeliano.

Conforme podemos depreender do esquema evolucionário, o conhecimento científico começa com problemas e termina com problemas. Inicia-se pelo problema, com todas as suas implicações. De um ponto de vista lógico, a primeira etapa do processo de conhecimento é a identificação da situação-problema.

O que se pretende, com este texto, é retomar os argumentos popperianos críticos da dialética. Parece que, até hoje, não foram oferecidas boas respostas às críticas que esses argumentos contem.

Não é relevante para essa crítica a conclusão de que ela não corresponde a uma interpretação fiel da dialética de Hegel, Engels ou Marx. Mais importante do que isso é o sentido que as críticas de apresentam. Elas parecem indicar uma interpretação do sentido do processo da natureza e do progresso do conhecimento. Nesse sentido, a dialética aparece como um caso especial da teoria da tentativa e eliminação do erro.

O que isso sugere é que, em seu sentido renovado, isto é, como forma do método de tentativa e eliminação do erro, a dialética poderia ser revivida como instrumento eficiente na análise de determinadas situações. O sentido renovado da dialética nos permite refletir sobre o significado das controvérsias no progresso do conhecimento racional, com especial referência ao papel da eliminação das contradições na construção do conhecimento científico.


Notas e referências


1.POPPER, KARL R. "Intellectual autobiography" in SCHILPP, PAUL ARTHUR (ed.) The philosophy of Karl Popper. Col. "The Library of Living Philosophers", vol. XIV, livro 1. La Salle, Illinois, Open Court, 1974, p. 105.

2. Idem. Conjectures and refutations. Londres, Routledge & Kegan Paul, 1972, pp. 312-335.

3. Idem, ibidem, p. 322.

4. Idem, ibidem, p. 316.

5. Idem, ibidem, p. 329.

6. Idem, ibidem, p. 333.

7. Idem, ibidem, p. 335.

8. Idem, ibidem, p. 317.

9. Idem, ibidem, p. 322.

10. Idem, ibidem, p. 323.

11. CORNFORTH, MAURICE. The open philosophy and the open society: A reply to Dr. Karl Popper's refutations of marxism. Nova York, International Publishers, 1976, pp. 60-126.

12. Idem, ibidem, p. 60.

13. Idem, ibidem, pp. 60-61.

14. Idem, ibidem, p. 67.

15. Idem, ibidem, p. 69.

16. Idem, ibidem, p. 94.

17. Idem, ibidem, pp. 76-77.

18. Idem, ibidem, p. 123.

19. Idem, ibidem, p. 89.

20. Idem, ibidem, pp. 100-101.

21. POPPER, KARL R. Conjectures and refutations. Londres, Routledge & Kegan Paul, 1972, p. 322.

22. Idem. 'A racionalidade das revoluções científicas, in HARRÉ, ROM (org.) Problemas da revolução científica. São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1976, pp. 92 ss.

23. Idem, ibidem, p. 94.

24. Idem. Objective knowledge. Oxford, Clarendon Press, 1981, p. 288.

25. Idem. "Autobiography", in SCHILPP, PAUL ARTHUR (org.) The philosophy of Karl Popper. Col. "The Library of Living Philosophers", vol. XIV, livro 1. La Salle, Ilinois, Open Court, P. 105.

26. Idem. Objective knowledge. Oxford, Clarendon Press, 1981, pp. 126-127.

27. Idem. Conjectures and refutations. Londres, Routledge & Kegan Paul, 1972, p. 326.

´CAPÍTULO 11 - Racionalismo Crítico e Ciências Sociais

RACIONALISMO CRÍTICO E CIÊNCIAS SOCIAIS




“A coisa mais importante sobre o conhecimento humano é que ele pode ser formulado em linguagem, em proposições. Isso torna o conhecimento passível de ser consciente e de ser objetivamente criticável por meio de argumentos e de testes. Nesse sentido nós chegamos à ciência. Testes são tentativas de refutação. Todo conhecimento permanece falível, conjetural. Não existe justificação; evidentemente, não existe também justificação final de uma refutação. Contudo, nós aprendemos por meio de refutações, ou seja, pela eliminação de erros, por reexame.” (Popper, Karl R.; Realism and the aim of science. London, Hutchinson, 1985, p. XXXV).


INTRODUÇÃO


Neste texto pretende-se argumentar que o paradigma(1) racionalista crítico de análise social, expresso principalmente nas idéias de Karl R. Popper, pode ser interpretado como associado a uma mudança de caráter mais geral que teria ocorrido na teoria da ciência, na passagem do século XIX para o século XX. As epistemologias do século XIX, que são aqui consideradas em certas interpretações do positivismo e do marxismo, implicam um conceito de razão como um instrumento de conhecimento verdadeiro. Numa certa interpretação, positivismo e marxismo identificam todas as formas de conhecimento racional com ciência e com conhecimento verdadeiro, isto é, justificado empiricamente. Portanto, implicam numa epistemologia justificacionista, para a qual a existem condições de possibilidade da demonstração da verdade de nossas asserções sobre o mundo.

Aqui se sugere que o conceito de conhecimento racional, conforme a interpretação do racionalismo crítico de Popper, pode ser considerado como diverso daquele consagrado pelas epistemologias justificacionistas do século XIX. Em contraposição ao marxismo e ao positivismo, o racionalismo crítico retoma a idéia socrática que a razão humana é um instrumento de crítica e debate, cujo resultado só pode ser um conhecimento hipotético e conjectural. A teoria do método científico de Popper implica uma forma alternativa de considerar os fenômenos sociais. Uma das conseqüências de sua teoria do método de análise social é que o conhecimento dogmático deve ser substituído pela teoria social conjectural.

O argumento aqui apresentado está dividido em duas partes. Na primeira se analisa a base epistemológica das teorias sociais do século XIX. Na segunda parte se considera o modelo de racionalidade que Popper sugere ser característico da epistemologia das Ciências Sociais do século XX.( 2)



1

Nesta parte se pretende caracterizar a passagem do século XIX para o século XX nos termos de uma transformação filosófica. O ponto central do argumento consiste na alegação de que essa transformação tem um caráter primordialmente epistemológico.

A passagem do século XIX para o século XX pode ser caracterizada em termos de uma profunda mudança no mundo das teorias que procuram dar conta das condições de possibilidade do conhecimento humano, com especial referência ao conhecimento científico. Aqui se sugere que essa mudança teria produzido dois tipos de conseqüências, isto é, conseqüências tecnológicas e culturais. A revolução tecnológica está presente na enorme quantidade de recursos para o controle de vários aspectos da realidade e que estão hoje disponíveis. Assim, os novos recursos em medicina, em engenharia, em comunicações são uns poucos exemplos dos recursos técnicos dos quais o ser humano pode dispor.

Por outro lado existe uma diversidade cultural entre esses dois séculos, a qual pode ser expressa na idéia de que a cultura do século XX se caracteriza por ser uma cultura de transição.(3) Parece que, durante os processos de mudanças generalizadas, como os que ocorrem nas culturas de transição, homens e mulheres estão especialmente preocupados com o problema da identidade cultural. Existe uma certa circularidade entre a cultura e o processo de produção cultural. Assim, é daquilo que se identifica como sua cultura que se constroem os problemas e é a cultura que inspira o tipo de solução que homens e mulheres propõem para seus problemas.

As sociedades industriais modernas parecem culturalmente identificadas com o processo de mudança. Esse processo de mudança generalizada tem profundas influências no tipo de solução que os seres humanos dessas sociedades industriais propõem para os problemas. Assim, existe uma íntima conexão entre o desenvolvimento das sociedades industriais modernas e a produção e a divulgação de uma cultura crítica e não-dogmática. Neste argumento se pressupõe que isso constitui uma importante característica da cultura do século XX. Do fato do século XX ser culturalmente identificado como um período de profundas mudanças, segue-se que essas sociedades industriais modernas estão de alguma forma associadas ao desenvolvimento de uma cultura de crítica e de debate. O que aqui se argumenta não implica que as sociedades industriais modernas sejam necessariamente críticas e caracterizadas pela contestação das teorias dogmaticamente defendidas no século XIX. Nem se defende a idéia de que não existe cultura crítica fora das sociedades industriais modernas.

Esse tipo de processo cultural caracterizado pela idéia de mudança não é único na história humana. Talvez o fim do período clássico possa ser considerado com uma interpretação similar. O fim dos tempos medievais e início dos tempos modernos poderiam ser considerados como outros exemplos de momentos históricos passíveis dessa interpretação. Tudo parece indicar que, no caso em questão, o processo de mudança teria sido seguido pelo desenvolvimento e pela divulgação de um determinado tipo de epistemologia, para a qual o conhecimento racional é hipotético e conjetural. Assim, no caso específico da passagem do século XIX para o século XX, teria se produzido uma mudança especial de natureza epistemológica, qual seja a articulação das teses do racionalismo crítico, isto é, a teoria de que o conhecimento racional é crítico, discutível, conjectural.


2.


A mudança cultural dos últimos dois séculos produziu várias conseqüências. Nesta parte, contudo, pretendem-se destacar algumas implicações filosóficas dessa mudança. Especificamente, pretende-se apontar seu caráter epistemológico. Isto é, o século XIX se caracteriza por uma postura filosófica que implica uma certa fundamentação epistemológica para o conhecimento racional.

Certas interpretações do positivismo e do marxismo são as epistemologias mais características do século XIX. Para essas interpretações, esses dois sistemas de idéias são baseados na teoria de que a razão humana é um instrumento de verdade e que a ciência é a maior conquista desse modelo de razão humana. Entretanto, em razão de uma série de mudanças ocorridas nas Ciências Naturais, com especial referência à Física, teria ocorrido uma profunda mudança na epistemologia das ciências naturais e sociais. Em conseqüência dessas mudanças, grande parte das teorias do método passaram a sustentar que a razão humana é um instrumento de crítica e que a ciência é um conhecimento tentativo.

A história da ciência parece oferecer evidências de que diversas teorias do conhecimento e teorias sobre a ciência eram concorrentes no século XIX. Contudo, principalmente duas dessas teorias do método científico estavam associadas à idéia que tanto os problemas do mundo natural quanto os do mundo social eram considerados como passíveis de solução: o positivismo e o marxismo. A principal característica epistemológica desses dois sistemas de idéias é que ambos são apresentados como teorias do método do conhecimento verdadeiro.

Ambas as teorias, positivismo e marxismo, são conhecidas por suas teses referentes à dinâmica da realidade social. Nesse sentido elas podem ser consideradas como teorias sociais. Contudo, a fundamentação epistemológica do marxismo e do positivismo implica a idéia que suas teorias do método científico podem ser aplicadas tanto à realidade social quanto à realidade natural. O que aqui se pretende argumentar é que tanto K. Marx quanto A. Comte se envolvem com a questão do método em ciências naturais. Pode-se mesmo afirmar que ambos procuram elaborar a idéia que a ciência, tanto social como natural, é capaz de resolver o problema de identificar um método capaz de conhecer a verdade. Algumas interpretações correntes da teoria do método de análise científica proposta por Marx e Comte pretendem que o marxismo e o positivismo constituem sistemas de idéias produzidos para resolver qualquer problema com o qual o ser humano se depare. De uma forma geral se pode afirmar que essa interpretação do pensamento de Marx se encontra implicada nas diferentes formas de marxismo correntes na segunda metade do século XX.

Uma análise dos fundamentos epistemológicos do Positivismo e do Marxismo, em algumas de suas interpretações mais correntes, pode nos levar à conclusão de que existem estreitas semelhanças entre eles. Colocando a questão mais claramente: em algumas de suas interpretações, positivismo e marxismo apresentam os mesmos fundamentos epistemológicos.

A primeira semelhança entre positivismo e marxismo é expressa em suas teorias da ciência. Ambas as teorias assumem uma visão otimista do conhecimento, isto é, elas estabelecem que a verdade é sempre o resultado da aplicação do método científico de investigação. Elas também estabelecem que a ciência é o que resulta quando se tem um corpo definitivo de verdades. A ciência, portanto, seria o resultado verdadeiro do uso do método positivista, ou do marxista.

Em resumo, tanto o positivismo quanto o marxismo pressupõem a idéia otimista de que o ser humano pode produzir conhecimento verdadeiro. Eles asseguram que, no processo de procurar a verdade, a ciência é a forma mais perfeita de conhecimento. Marx confessa sua confiança no conhecimento científico quando afirma: “Este resumo do desenvolvimento de meus estudos na esfera da economia política pretende apenas demonstrar que minhas idéias, não obstante a forma como elas forem julgadas e o quão pouco coincidam com os preconceitos interessados das classes dominantes, são o resultado de uma investigação conscienciosa e demorada. Mas na entrada para a ciência, como na entrada para o inferno, é preciso impor a exigência: "Aqui toda suspeita deve ser deixada para trás; aqui toda covardia deve perecer.[Dante, Divina comédia].” (MARX, K. "A critique of political economy", in Karl Marx, Selected writings. Oxford, University Press, 1977, p.391)

Augusto Comte declara explicitamente sua confiança no conhecimento científico, a ponto de estabelecê-lo como base de todo o comportamento humano. Ele diz: “Não há dúvida de que o estudo da natureza desenvolvido pelos seres humanos se constitui na única base de sua ação sobre a natureza; pois, somente conhecendo as leis dos fenômenos e, portanto, sendo capaz de prevê-los, é que nós podemos, na vida prática, arranjá-los de maneira a que um modifique o outro para nossa vantagem. Nosso poder direto sobre todas as coisas em nosso redor é extremamente frágil, nós não produzimos algo de grande, é através do conhecimento das leis naturais que nós podemos fazer um elemento agir sobre outro - até mesmo elementos modificadores muito fracos podem produzir mudanças nos resultados de um grande agregado de causas. A relação entre ciência e arte pode ser resumida na breve expressão: "Da ciência vem a previsão: da previsão vem a ação". (COMTE, A. Positive philosophy. London, John E. Taylor, 1853, vol.1, PP. 19-20)

O positivismo e o marxismo podem ainda ser analisados na forma como, em algumas de suas versões, eles interpretam a história. Eles apresentam uma versão do desenvolvimento do tempo histórico em termos lineares. Isto é, ambos, marxismo e positivismo, como teorias da história, interpretam a história como o contínuo progresso da humanidade para a reconquista do "paraíso perdido". Tanto a sociedade final sem classes de K. Marx quanto o industrialismo de A. Comte constituem uma fase no desenvolvimento da humanidade: eles marcam o fim dos tempos pré-históricos e o começo do tempo histórico. Contudo, o aspecto mais característico dessas teorias da história é que elas interpretam a si próprias como um fato histórico imediatamente anterior a esse objetivo final. Isto é, tanto o marxismo quanto o positivismo consideram-se a si mesmos como os fatos históricos responsáveis pela passagem do período pré-histórico para o tempo histórico. Portanto, em suas teorias da ciência e em suas teorias da história, ambos os sistemas - marxismo e positivismo - estabelecem que os seres humanos podem descobrir a verdade. Eles também estabelecem que, usando esse conhecimento, o ser humano pode saber o que está contido no futuro. Assim, homens e mulheres podem prever que a felicidade da humanidade está no futuro.

Esses dois sistemas podem ser considerados, finalmente, como teorias da revolução. Isto é, pressupondo que eles conhecem quais são os objetivos finais da história, eles implicam que é possível estabelecer os caminhos para conquistar o futuro e são unânimes em afirmar que a revolução é o único caminho. O marxismo estabelece que a revolução do proletariado e a conseqüente extinção definitiva da burguesia, isto é a vitória do oprimido sobre o opressor - é a única saída. O positivismo afirma que a revolução moral é o caminho da história. Essa revolução moral resultaria da ação das reservas morais da sociedade. Essas reservas morais estariam na força da classe trabalhadora e, principalmente, no poder das mulheres.

Das idéias acima expostas parece plausível se concluir que esses dois grandes sistemas de idéias do século XIX reconhecem a existência de verdadeiras forças revolucionárias na sociedade e estabelecem a necessidade de ativar essas forças revolucionárias. Ambos, o marxismo e o positivismo, identificam a existência de setores da sociedade que são os responsáveis pelo desencadeamento das forças revolucionárias.

Assim, o proletariado para Marx e a classe trabalhadora e as mulheres para Comte constituem as forças historicamente revolucionárias. Entretanto, essas forças necessitam - em nome do princípio da eficiência: "poupar sofrimento" - ser ativadas e orientadas na luta pela conquista do futuro histórico. Os líderes revolucionários são necessários. Assim, para a teoria marxista, o proletariado necessita dos líderes do Partido Comunista; a classe trabalhadora e as mulheres necessitam da Elite Intelectual responsável pela revolução positiva. Uma das características das referidas teorias da revolução é que elas pressupõem que existem forças cuja atividade consiste em assegurar que o processo revolucionário seja conduzido de uma forma eficiente.

Na interpretação acima exposta, existe uma perfeita integração entre a teoria da ciência, a teoria da história e a teoria da revolução tanto no marxismo quanto no positivismo.

A teoria marxista da ciência estabelece as condições metodológicas da verdade e aponta a explicação histórica como o modelo perfeito de análise científica. A teoria da história, a qual a teoria da ciência estabelece como verdade, afirma que a teoria marxista da ciência é verdadeira, pois que a teoria da ciência é uma conquista histórica do proletariado. Ou seja, a teoria da história estabelece que o proletariado é a classe, social que haverá de sobreviver na história e assegura que a verdadeira ciência é o conhecimento que expressa o interesse daquela classe. Por outro lado, a teoria da revolução afirma que a revolução é um instrumento histórico e científico, porque a revolução transforma a ciência em história. Na análise marxista, a ciência - enquanto conhecimento verdadeiro - é uma conquista do proletariado. O conhecimento científico é que permite a vitória concreta do proletariado sobre a burguesia. O cientista revolucionário é aquele que, ao interpretar o processo histórico, identifica as condições necessárias para uma vitória rápida e menos dolorosa da classe proletária. Assim, os cientistas também têm uma tarefa política, pois que, sendo eles conhecedores da verdade, precisam entender que a verdade tem um significado político, isto é, a libertação do proletariado. Nas mãos desses cientistas deve estar a direção do proletariado.

Esse tipo de circularidade epistemológica também pode ser identificado no positivismo. A teoria positivista da ciência estabelece que a história é o instrumento do conhecimento verdadeiro. A teoria da história afirma que a ciência é conhecimento verdadeiro e indica a revolução como o meio para tornar reais a ciência e a história. Para o positivismo, o cientista também tem uma tarefa política - o cientista é o homem ou a mulher que conhece a verdade, pois que trabalha com a verdade. Então o cientista é alguém dedicado à verdade, tendo, portanto, todas as necessárias virtudes morais. O cientista é o genuíno líder revolucionário. Na análise do positivismo, os valores revolucionários podem ser encontrados na ciência, e é entre os cientistas que se encontram os líderes da revolução.

O ponto central do presente argumento é que, em todos os três aspectos acima considerados, positivismo e marxismo apresentam a mesma base epistemológica. Assim, o positivismo e o marxismo fundamentam a teoria da ciência no pressuposto otimista de que o ser humano pode conhecer a verdade. Eles não consideram a impossibilidade da verdade como um problema. Ambos concluem por afirmar que a ciência é o resultado mais expressivo do conhecimento verdadeiro. No que concerne à teoria da história, ambos os sistemas adotam a mesma metodologia de análise social que permite explicar o passado, posto que torna possível a identificação das leis da história. Em conseqüência disso, as explicações históricas permitem prever o futuro. Da pressuposição de que o futuro pode ser previsto, torna-se seguro falar do sentido da revolução. A revolução é o instrumento de transição para o futuro necessário. Assim, existe uma garantia metodológica de que a revolução é um instrumento histórico. Essa garantia é fornecida pela ciência.

Esta interpretação do positivismo e do marxismo pode ser considerada como uma caracterização geral do fundamento epistemológico das teorias sociais correntes na segunda parte do século XIX e início do século XX. Neste texto não se pretendem discutir todas as interpretações do positivismo e do marxismo. O que aqui se intenta é apresentar uma certa interpretação do marxismo e do positivismo como teorias sociais características do final do século passado e que teriam grande influência na primeira metade do século XX. E mais, almeja-se evidenciar que existe uma total incompatibilidade entre as bases epistemológicas do positivismo e do marxismo assim interpretados e uma certa interpretação dos fundamentos epistemológicos das teorias sociais do século XX.

3.


Nesta parte serão apresentadas algumas críticas gerais aos pressupostos epistemológicos do marxismo e do positivismo nas interpretações acima caracterizadas. Em seguida, procurar-se-á argumentar que novas interpretações sobre as bases epistemológicas das teorias de análise social sugerem a existência de uma nova tendência concernente ao significado do método racional nas Ciências Sociais.

Tanto o marxismo quanto o positivismo parecem admitir o princípio epistemológico de que o ser humano pode identificar teorias verdadeiras ou, em outras palavras, a idéia de que "nós podemos conhecer quando nosso conhecimento é verdadeiro". Acontece que esse princípio é objeto de violentas críticas na moderna teoria da ciência. Esse princípio não é mais considerado um pressuposto de senso comum. Embora não se tenha ainda produzido um argumento decisivo contra esse princípio, contudo, no intuito de evitar algumas conseqüências que esse princípio produz, as modernas epistemologias preferem partir de outros pressupostos. De qualquer forma, esse princípio parece ser demasiadamente problemático para ser tomado como um pressuposto.

Um outro aspecto a ser apontado refere-se ao pressuposto marxista e positivista de que é possível a previsão racional do comportamento social dos seres humanos. Isto se constitui, em nossos dias, em uma questão aberta. As modernas discussões em história estão longe de uma conclusão nessa matéria. As posições podem variar desde a idéia de que existem leis históricas e que o ser humano pode descobri-las e controlá-las até a teoria de que a história é impossível como conhecimento científico. Nesse sentido avançam teorias sustentando que a história não é mais do que uma simples tecnologia social.

Além disso, marxismo e positivismo parecem admitir que a revolução é a única forma de transformar a sociedade. Porém, essa idéia é demasiadamente problemática para ser assumida como um pressuposto. Não existe nenhuma garantia de que esse princípio seja científico. Do mesmo modo, não existe garantia de que, caso fosse científico, esse princípio seria necessariamente verdadeiro. Outro argumento é que as próprias forças sociais que as teorias sociais do século XIX, especificamente o positivismo e o marxismo, indicam como as forças revolucionárias não são facilmente identificáveis nas sociedades modernas, isto é, é difícil identificar o proletariado nas sociedades industriais modernas. Não mais existem claras distinções entre as classes capitalista e trabalhadora ou ainda entre homens e mulheres como forças sociais. O que a teoria moderna da revolução parece estabelecer no século XX é que aconteceu uma profunda mudança na realidade social na passagem do século passado para o atual. A moderna teoria da revolução parece apontar para o fato de que as supostas forças revolucionárias teriam desaparecido.

Outro ponto que pode ser levantado contra as interpretações do marxismo e do positivismo aqui apresentadas refere-se ao caráter subjetivista de suas epistemologias. Isto é, esses sistemas, baseados na tese indutivista de que a partir de experiências feitas no passado é possível se prever o resultado de experiências futuras, concluem pela existência de uma separação entre o subjetivo e o objetivo e pela justificação da prioridade do primeiro sobre o segundo. Embora não o reconheça explicitamente, essas interpretações do positivismo e do marxismo implicam uma distinção entre a interpretação (teoria) e a ação (prática) e avançam a tese de que as coisas devem se submeter às idéias.

O procedimento metodológico dessas teorias consiste em profetizar sobre o futuro tendo por fundamento as experiências feitas no passado. Portanto, essas teorias fixam padrões para o presente. O presente, quando não segue as previsões históricas, é considerado, como uma distorção histórica. Dessa forma, não existem objeções em submeter o presente às exigências teóricas e fazê-lo conformar-se com aquilo que é necessário que o presente seja, para que se garanta o futuro necessário previsto teoricamente.


4.


O ponto central do argumento que se pretende apresentar nesta parte é que uma mudança epistemológica teria ocorrido na passagem do século XIX para o século XX, e essa mudança tornou problemáticos muitos dos pressupostos do positivismo e do marxismo.

Quando A. Einstein estabeleceu a teoria da relatividade, na primeira metade do século XX, o descontentamento com as teorias correntes sobre o método científico começou a se difundir. Em sua estrutura epistemológica, as teorias de Einstein diferiam da Física newtoniana, isto é, Einstein desenvolveu suas teorias antes de experimentos empíricos poderem ser produzidos, e suas teorias eram construídas como proposições conjecturais. Essas características das teorias de Einstein pareciam sugerir que elas possuíam uma fundamentação epistemológica diferente daquelas propostas pelas teorias da ciência do século XIX.

O questionamento crítico das teorias correntes sobre as bases epistemológicas da ciência parece ter começado na Física, para em seguida se espalhar por todas as áreas do conhecimento racional. Essa mudança epistemológica teria produzido uma profunda crise nas ciências sociais e, na segunda metade do século XX, parece ter conduzido a um certo negativismo, uma certa frustração, entre todos aqueles que sonhavam com uma ciência verdadeira e com a racionalidade como fonte de certeza.

Com esse processo de ruptura epistemológica não existe mais fundamento para a teoria de que a ciência é conhecimento verdadeiro. A discussão moderna da teoria da ciência aponta para a fragilidade da estrutura epistemológica da ciência. A experiência de viver soluções científicas tem convencido a muitos de que algumas soluções científicas são inviáveis. Assim, a ciência tem sido exposta a uma violenta crítica; disso resulta que, cada vez mais, suas limitações são reconhecidas e divulgadas. O otimismo epistemológico implícito em certas interpretações do marxismo e do positivismo é hoje considerado insustentável. As novas teorias epistemológicas parecem admitir a idéia de que o ser humano não dispõe de critérios para identificar a verdade. As situações sociais concretas têm demonstrado que o messianismo do proletariado e o caráter redentor da elite científica são mistificações.

A discussão a propósito do método científico no século XX parece ser caracterizada pela procura das regras referentes ao procedimento científico. As posições podem variar desde aqueles que defendem a idéia de que essas regras precisam ser encontradas na análise da reconstrução racional da atividade dos cientistas até a idéia de que essas regras podem ser encontradas na análise da história da ciência. Contudo, o pressuposto comum dessas análises parece ser que o método da ciência é um conjunto de regras que são necessárias para o uso de um tipo específico de razão. Essas epistemologias admitem que o conhecimento científico é o resultado de um certo tipo de racionalidade. Ela se constitui num tipo de discurso cujas regras podem ser devidamente identificadas. Na forma como aqui se caracteriza a passagem do século XIX para o século XX, a moderna epistemologia, à medida que recusa a tese de que o conhecimento racional é necessariamente verdadeiro, implica um novo conceito de racionalidade. A moderna epistemologia implica a idéia de quê a razão não é um instrumento de dogmatismo.


Conclusão


A idéia de que a racionalidade pode ser caracterizada pelo exercício da crítica e a tese de que a ciência somente pode ser obtida por meio dessa forma de racionalidade são aqui apresentadas conseqüências epistemológicas de uma suposta ruptura que teria ocorrido na virada dos XIX e XX. Como conseqüência dessa ruptura, segue-se que nós não mais temos garantias para nossas teorias científicas da história e de nossas teorias científicas da revolução.

Uma suposta reviravolta na teoria da ciência teria quebrado a circularidade, ou mútua justificação, entre as teorias da ciência, da história e da revolução, positivista e marxista. Por todas essas razões, parece que o debate sobre teoria social no século XX não pode ser dissociado da discussão das bases epistemológicas da ciência.

O que aqui se pretende haver demonstrado é que houve uma mudança na teoria da ciência e que a crise da teoria da história e da teoria da revolução no século XX está relacionada com aquela mudança epistemológica, Tudo indica que não existe mais um conjunto de verdades conclusivas referentes à natureza da ciência, a direção da história e o significado de revolução. O que existe em nossos dias é um conjunto de irrefutáveis teorias filosóficas referentes à ciência, um extenso debate a propósito da possibilidade da história como conhecimento científico e uma completa descrença na teoria da revolução total.


Notas e Referências


1. Para esclarecimento do conceito de "paradigma", ver KUHN, T. The structure of scientific revolutions. London, University of Chicago Press, 1970, especialmente o "Postscript - 1969", pp. 174-210.


2. Popper argumenta que sua teoria da ciência não foi estabelecida como uma teoria histórica ou apoiada por fatos históricos ou empíricos. Contudo, ele destaca o poder explicativo que sua teoria da ciência possui, especialmente se comparada com suas concorrentes. Ver POPPER, K. R. Realism and the aim of science. London, Hutchinson, 1985, p. XXI.

3 .Para uma melhor caracterização do que se entende por 'transição', ver o texto de E. Gellner "The role of knowledge", em GELLNER, E. Legitimation of belief. Cambridge, University Press, 1979, pp. 202-208; também o texto de I. G. Melchior "A teoria social da transição", em Nacionalismo e democracia. Brasília, Editora da UnB, 1981, pp. 3-42-, ver ainda, o texto de J. G. Melchior "Ernest Gellner e as liberalizações políticas", em Coleção Itinerários; "Gellner na UnB", Brasília, Editora da UnB, 1981, pp. 5-25. Embora Gellner não use o termo para caracterizar a passagem do século XIX para o século XX, contudo, sua caracterização do fenômeno da "transição" (ou "Transição" como quer Gellner) pode ser inteiramente assumida aqui neste texto.