terça-feira, 16 de março de 2010

CAPÍTULO 9 - O Método nas Ciências Sociais

O MÉTODO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS: A ENGENHARIA SOCIAL FRAGMENTÁRIA




Onde é que nos encontramos hoje? Como são justificadas as exigências da ciência? Que motivos racionais existem - se de fato existe algum - para que uma pessoa concorde com as doutrinas da ciência moderna? Será que os que trabalham em outras disciplinas deveriam se esforçar para fazê-las mais parecidas com a ciência; ou será que as pessoas que trabalham em ciência deveriam finalmente capitular e reconhecer que, de um ponto de vista epistemológico, as exigências de seu conhecimento não são mais seguras do que aquelas propostas em qualquer outra área? De um ponto de vista mais geral, quais são as implicações dos trabalhos revolucionários em filosofia da ciência nas últimas três ou quatro décadas, para a conduta de pesquisa nas ciências sociais "puras" e "aplicadas"? (D.C. Phillips.,Philosophy, science, and social inquiry. Oxford, Pergamon Press, 1987, pp. 3-4)


Introdução



A questão posta como tema central deste texto pode sugerir que ele consistirá de uma exposição detalhada dos diferentes métodos empregados em ciências sociais e da apresentação dos resultados de alguma forma de avaliação desses métodos. Entretanto, o leitor não encontrará nele nem uma coisa nem outra.

Este texto procurará seguir o argumento de Popper em que são apontadas algumas dificuldades dos métodos que assumem que é possível conhecer e experimentar a sociedade como um todo. A recusa do método que considera "as totalidades sociais" prepara a posição de que as ciências sociais só conhecem e experimentam fragmentos da realidade social.

Aqui se pretende apresentar uma concepção engenharial de ciências sociais, que estaria presente na tese que o método de análise social implica uma concepção de ciências sociais em que estas estariam muito mais próximas de um conhecimento do tipo empregado em engenharia de obras do que daquele produzido pela física ou química puras. Assim como o engenheiro de obras, o cientista social usa conhecimentos produzidos em diferentes áreas - como a física, a biologia, a química, a economia etc. Embora ele não esteja impossibilitado de produzir teorias "puras", sua tarefa primordial consiste em resolver problemas, em tentar soluções para os problemas sociais identificados. Dessa forma, o cientista social seria caracterizado como um "elaborador de políticas sociais".


1.


As diferenças metodológicas entre as ciências sociais e as ciências naturais decorrem da diversidade de objetos ou problemas a serem estudados; entretanto, os métodos com que cada uma estuda e seus campos são fundamentalmente os mesmos. (1)

De forma geral, o método da ciência é o hipotético-dedutivo, que consiste em oferecer uma explicação causal dedutiva e em experimentá-la pelos mais diferentes meios. O método hipotético-dedutivo corresponde a uma posição intermediária entre o dedutivismo racionalista e o indutivismo empirista. Os racionalistas, que têm em R. Descartes seu principal representante, entendem que a ciência é fruto da capacidade de conhecer da razão humana. Assim, o correto uso da razão levaria necessariamente à verdade. Os empiristas, dos quais D. Hume seria um exemplo, interpretam a ciência como um conjunto de proposições universais cuja fonte é a experiência particular. Assim, asseguram que, principalmente, pela inferência indutiva é que se constrói o edifício do conhecimento científico.

No método hipotético-dedutivo, vamos conceber a ciência como um corpo de conjecturas de caráter tentativo, isto é, a ciência é um conjunto de teorias e hipóteses com o qual pretendemos atribuir um sentido, ou significado, ao mundo natural. A natureza conjectural da ciência é decorrente do fato de que ela é expressa através de enunciados que podem ser testados pela evidência empírica sem jamais adquirirem o caráter de verdade absoluta, ou definitiva. Os enunciados científicos são identificáveis por seu caráter tentativo. Eles contém respostas que são possíveis de serem oferecidas para certos problemas em um certo momento do tempo.

O método hipotético-dedutivo ou, método da construção de hipóteses, é assim chamado porque não consegue certeza absoluta para nenhuma das proposições científicas que experimenta; pelo contrário, essas proposições sempre conservam o caráter de hipóteses de caráter tentativo, ainda que esse caráter possa deixar de ser óbvio. Isto é, mesmo depois de haver superado um grande número de experimentos, de provas e testes severos as teorias científicas continuam a ser meras hipóteses, ou simples respostas hipotéticas para certos problemas.(2)

A ciência, quer seja natural ou social, constitui-se de explicações cuja natureza é hipotética ou presuntiva. O procedimento científico consiste na construção de um conjunto de proposições sobre o problema, através do qual, de determinadas sentenças que descrevem leis universais, juntamente com as proposições particulares que identificam certas condições iniciais, deduzimos um prognóstico, uma predição - a hipótese. O método científico consiste, ainda, em submeter, a teoria à prova, tomando seu prognóstico e confrontando-o com observações experimentais. Havendo acordo do resultado da observação com a predição teórica, toma-se a hipótese como corroborada, ou confirmada; o desacordo implicará na refutação ou falsificação da teoria. Nesse processo, nunca se dará uma prova final que modifique o caráter hipotético dos enunciados científicos.


2.


A estrutura de enunciados hipotéticos que formam a ciência é a mesma para os três tipos de respostas que podem ser dadas pela ciência para um problema. Assim, a ciência pode ser tomada como uma "explicação", ou como uma "predição", ou como uma “experimentação".(3)

Se entendermos como nosso problema encontrar quais são as condições iniciais ou leis universais (ou ambas as coisas) das quais poderíamos deduzir um prognóstico específico, estaremos buscando uma "explicação”. Se considerarmos as leis e condições iniciais como dadas e as usarmos meramente para deduzir o prognóstico, a fim de conseguir alguma informação nova, estaremos, então, buscando fazer uma "predição”, ou previsão. E se tomarmos uma das premissas, quer a lei universal quer as condições iniciais, como problemática e o prognóstico como algo que se há de comparar com os resultados dos experimentos, estaremos em busca da "experimentação", ou teste da premissa problemática.

O resultado da "experimentação" é a seleção das hipóteses que conseguiram superar as experiências ou a eliminação das hipóteses que foram comprovadas como errôneas. A "experimentação" é, portanto, o momento crucial para a ciência, uma vez que é a tentativa de expurgar falsas teorias e apontar nelas os pontos fracos. O objetivo do conhecimento científico é descobrir as teorias consistentes, estabelecer a verdade das hipóteses; para tanto, devemos testá-las o mais severamente possível, tentando demonstrá-las como errôneas e procurando identificar os pontos onde são mais frágeis.

A atitude científica não consiste em procurar verificar uma teoria. A verificação, ou comprovação experimental, é relativamente irrelevante para a ciência. O descobrimento de casos que confirmam a teoria acrescenta pouca informação sobre o status científico de uma teoria, salvo quando esses casos resultam de legítimas tentativas de refutá-la. Portanto, a atitude crítica é fundamental no procedimento científico. Se buscarmos confirmações da teoria, nós as encontraremos; poderemos, até mesmo, criar hipóteses especiais aplicáveis apenas aos casos em que as nossas teorias se virem ameaçadas. Desse modo, é relativamente fácil encontrar provas com elementos comprobatórios de uma teoria. Pelo método de seleção por eliminação, só as teorias mais consistentes serão consideradas como científicas. Isso significa que apenas as mais aptas haverão de sobreviver.

Para a ciência, de forma geral, não tem a menor importância a investigação sobre a origem de nossas presunções, idéias ou teorias. Não importa se provêm de generalização indutiva, dedução, intuição, revelação ou que simplesmente tropecemos nelas. Os instrumentos de conhecimento devem ser entendidos no exercício de sua autêntica função; necessitam ser analisados não apenas na acidentalidade de sua relação com a origem das teorias, mas também em sua funcionalidade como instrumentos de teste e contestação. Essa é a razão pela qual nem a observação, nem a razão, são autoridades. A intuição intelectual e a imaginação são muito importantes, porém, não são dignas de confiança. Elas podem mostrar-nos muito claramente as coisas e, contudo, conduzir-nos ao erro. São indispensáveis como fontes principais de nossas teorias; mas a maior parte de nossas teorias é falsa, de todas as maneiras. A função mais importante da observação e do raciocínio e, ainda, da intuição e da imaginação, consiste em contribuir para o exame crítico dessas "conjeturas audazes, que são os meios com os quais sondamos o desconhecido.(4)

Não podemos confundir as questões de genealogia com as questões de validade. O que podemos assegurar é que nosso conhecimento não evolui sem a presença de teorias ou hipóteses. O que importa para a ciência é a forma como a teoria foi testada.

Esse método se aplica, em especial, às ciências sociais, pois a maioria de seus objetos é constituída de seres abstratos, de construções teóricas, de modelos criados para explicar nossas experiências. A elas se aplica, com maior propriedade, o método dedutivo a partir de hipóteses. Pode-se dizer que esse método é até mais apropriado para as ciências sociais do que para as ciências naturais. O cientista natural não pode dispor de observações diretas quando constrói seus estudos sobre o átomo. Contudo, o sociólogo pode utilizar-se dos conhecimentos intuitivos que tem de si mesmo, quando cria hipóteses sobre os fenômenos sociais. O elemento unificador do método empregado, tanto em ciências sociais como em ciências naturais, refere-se à exigência de que todas as hipóteses sejam experimentadas, isto é, colocadas à prova.

Tanto nas ciências sociais como nas naturais, as hipóteses têm o mesmo caráter, isto é, são proposições proibitivas, que sempre procuram excluir certas possibilidades.

Uma das peculiaridades metodológicas das ciências sociais é que os homens e mulheres, como sujeitos da ação social, são seres racionais. E essa racionalidade influi diretamente nas situações sociais. Em conseqüência disso, pode-se supor que existem elementos de racionalidade em todas as situações sociais. Isso não significa que homens e mulheres atuam socialmente sempre de forma racional, utilizando-se de todos os elementos de informação disponíveis para conseguir um fim almejado. Contudo, comportam-se de maneira mais ou menos racional. Isso nos permite construir modelos racionais de conduta e alimentarmos a expectativa de que esses modelos venham a ser seguidos, com algumas alterações, por homens e mulheres. Portanto, é justificável a crença de que as situações sociais concretas são mais simples que as situações concretas estudadas pelas ciências naturais.(5)

Assim, é plausível a teoria de que, sob certos aspectos, o método hipotético-dedutivo é mais facilmente aplicável às ciências sociais do que às ciências naturais. Dessa forma, só nas ciências sociais são possíveis os experimentos de modelos racionais de conduta.


3.


A questão do método em ciências sociais tem a mesma conotação teórico-prática dos estudos que se referem à epistemologia das ciências naturais. A epistemologia é baseada no pressuposto de que são necessários estímulos de caráter prático para o estudo dos métodos de investigação científica. Aparentemente, as ciências naturais peculiarizam-se por seu caráter prático, pois são justamente as experiências práticas que têm guiado o desenvolvimento da ciência aplicada.(6)

A evolução do conhecimento não é produzida pela busca de resposta para as investigações descomprometidas dos intelectuais; nem se produz gerada pela curiosidade intelectual do cientista. São, porém, os desafios práticos, os problemas de solução premente, aqueles que de fato orientam as especulações teóricas e chegam, até mesmo, a determinar seus limites. Se isso se aplica às ciências naturais, deve também constituir a orientação das ciências sociais. Portanto, a investigação sobre problemas metodológicos só se processa com base na existência de embaraços, impasses ou problemas com os métodos então existentes. Não se verificam investigações descomprometidas com problemas de ordem prática. Portanto, a própria investigação sobre os métodos decorre das dificuldades dos métodos de que dispomos.

Assim, a investigação sobre o problema metodológico, nas ciências sociais, deve inspirar-se em problemas práticos com os quais se depara o investigador. Os problemas de ordem prática surgem de impasses produzidos pelos métodos existentes. Desse modo, a investigação sobre o método das ciências sociais torna-se a discussão dos métodos já existentes, na tentativa de descobrir seus enganos, superar suas deficiências, propondo novas soluções.


4.


Segundo Popper, o método mais indicado para conseguir resultados práticos nas ciências sociais consiste em analisar criticamente "propostas parciais" de explicação dos fenômenos sociais. O procedimento metodológico recomendado consiste em tentar desvendar se determinada ação econômica ou política tenderia ou não a produzir os resultados esperados ou desejados. (7) As teorias sociais devem ser interpretadas como "propostas parciais", como tentativas parciais de compreensão dos resultados inesperados de nossas ações intencionais. Esse ponto de vista é identificado por Popper como "tecnologia social fragmentária".(8)

Nas ciências sociais é adotado o ponto de vista tecnológico na escolha dos problemas a serem analisados. Contudo, isso não significa que os problemas teóricos serão excluídos da preocupação do cientista social. O ponto de vista tecnológico será considerado como indicador dos critérios pelos quais serão escolhidos os problemas sociais mais significativos. A orientação tecnológica, além de nos conduzir na seleção dos problemas a serem tratados, exercerá a função de disciplinadora de nossas tendências especulativas.


5.

A "engenharia social fragmentária" é a metodologia que consiste em provocar mudanças sociais por meio de pequenos ajustes e reajustes nas instituições.(9) Nesse sentido, a expressão "engenharia" é tomada em sentido análogo ao da expressão "engenharia de obras", isto é, indica o conjunto de todos os conhecimentos tecnológicos necessários à execução de uma obra (de seu fim), e da disposição desses meios em função do fim

A expressão "Engenharia social fragmentária" indica o conjunto de teorias sobre como reconstruir e manejar as instituições, assim como a maneira de projetar as que deverão ser estabelecidas. O método da "engenharia social fragmentária" decorre da constatação de que apenas uma minoria de instituições sociais é conseqüência consciente de nossas ações, sendo, portanto, projetada previamente. A grande maioria dessas instituições é resultado imprevisível das ações humanas intencionais

Para o método da "engenharia social fragmentária", as instituições sociais são concebidas de forma instrumental ou funcional, isto é, o "engenheiro de ação gradual" ou tecnologista social procurará dispor dessas instituições com o objetivo de alcançar determinados fins. Essas análises parciais ou "composturas parciais" têm um caráter limitado, pois, as instituições dependem das pessoas para seu funcionamento. Assim, não é possível criar instituições inteiramente seguras, ou seja, instituições cujo funcionamento não dependa, grandemente, de pessoas. Em muitas situações, as instituições reduzirão o grau de incerteza ligado ao elemento pessoal, auxiliando aqueles que perseguem os objetivos que a instituição tem em vista e de cuja iniciativa e saber pessoal muito depende o êxito da mesma instituição.(10)

A "engenharia social fragmentária" é baseada na teoria de que nenhum fim social pode ser atingido abrigando-se o ideal de tomar a sociedade como um todo. Só podem ser alcançados os objetivos que impliquem em ajustes e reajustes, sem se caracterizar pela ambição de controlar as "forças históricas que modelam o futuro das sociedades".


O engenheiro fragmentário sabe, como Sócrates, quão pouco sabe. Sabe que só podemos aprender de nossos erros. Portanto, avançará passo a passo, de forma gradual, comparando cuidadosamente os resultados esperados com os resultados obtidos e sempre atento ante as inevitáveis e indesejadas conseqüências de qualquer intervenção na realidade social; e evitará começar reformas de tal complexidade e alcance que o impossibilitem de desemaranhar causas e efeitos, e de saber o que, em realidade, está fazendo.(11)

Dessa forma, a "engenharia social fragmentária" é a orientação que nos permite compreender e controlar a imprevisibilidade do fator humano dentro das sociedades. As instituições sociais se alteram e sofrem a influência direta dos impulsos humanos, que fazem com que elas se desenvolvam em direções imprevisíveis. A posição de Popper implica que esse é o único caminho para tratar a sociedade sem a necessidade de violentá-la, impondo-lhe uma planificação ou um sentido que não lhe, pertencem.


6.


Do acima exposto, pode-se concluir que as ciências sociais se referem a aspectos selecionados da vida social. A totalidade das propriedades ou aspectos de uma coisa e, especialmente, todas as relações que suas partes componentes mantêm entre si não podem ser objeto de conhecimento científico.

De fato, é impossível observar e descrever todos os aspectos do mundo inteiro ou mesmo de um de seus objetos. Pois, ao tomá-lo como separado do todo, portanto, isoladamente, estamos tomando-o como um todo e, desfazendo-o das relações que o mantêm como parte do todo de onde é extraído. Toda descrição é, necessariamente, seletiva. Se quisermos estudar uma coisa, somos obrigados a selecionar certos aspectos dela, somos conduzidos a escolher certas propriedades ou determinados aspectos especiais do objeto, e assim passamos a tomá-lo como uma estrutura organizada. Um objeto de estudo científico não pode ser um todo, no sentido de "totalidade".

Nesse sentido, o objeto de estudo das ciências sociais não são os "todos sociais". As totalidades sociais, entendidas como a estrutura de todos os acontecimentos sociais, são demasiadamente complexas para poderem ser abarcadas em uma única análise. Portanto, seria logicamente impossível tratá-las por meio do conhecimento científico. Assim, não se conhece um só exemplo de descrição científica de uma situação social concreta, em sua totalidade. O que somos capazes de produzir são análises parciais, "propostas parciais" ("composturas parciais"), que procuram destacar um aspecto selecionado de um determinado contexto.(12)O que se quer dizer é que os experimentos sociais em grande escala, isto é, abrangentes de totalidades sociais, são extremamente inadequados. Isso pelas razões que analisamos a seguir.

Os experimentos de "todos sociais" desconhecem as experiências fragmentárias, pois, os experimentos de "todos sociais" passam, superficialmente, sobre as experiências fragmentárias, que são fundamentais para todo conhecimento social, tanto científico como pré-científico. Os supostos experimentos sociais abrangentes de totalidades sociais não levam em consideração o fato de que aprendemos muito sobre a vida social com base na análise de pequenos experimentos. Há uma série de experimentos fragmentários realizados, no mais das vezes, em escala pré-científica, com objetivos nitidamente práticos, mas que denotam um conhecimento tecnológico dos acontecimentos sociais. São conhecimentos adquiridos por um método pré-científico, uma vez que carecem de atividade sistemática, orientados apenas pela necessidade de superar alguma dificuldade prática.(13)

Assim, existe uma notável diferença entre o homem de negócios, o general, o professor experiente e aquele que não possui experiência. Essa diferença é, no mais das vezes, decorrente de experiências especiais vividas pelos indivíduos e da reflexão crítica sobre os resultados desses experimentos.

Existe, portanto, um conhecimento adquirido não só por meio da experiência vivida, mas, também, por meio da reflexão e da observação. Assim, a atitude de um vendedor que raciona seus produtos, para conseguir melhores preços com o aumento da demanda do mercado, tem esse conhecimento adquirido de experiência e observação. Faz-se necessária, também, a reflexão, para que ele retire conhecimentos da observação, do acontecer espontâneo dos fatos e aplique-os nas experiências subseqüentes. E, em alguns casos, nada impede que esses conhecimentos sejam adquiridos da forma sistemática e crítica que caracteriza a metodologia científica. Assim, é quase imperceptível a passagem do procedimento pré-científico para o científico.

Essas idéias teriam levado Popper a afirmar: “Segundo esta opinião fragmentária, não existe uma divisão claramente delineada entre a atitude pré-científica e a experimental científica, ainda que a aplicação, cada vez mais consciente, de métodos científicos, quer dizer, críticos, seja de grande importância. De ambas as atitudes, pode-se dizer que empregam fundamentalmente o mesmo método de ensaio e erro. Ensaiamos, isto é, não só registramos uma observação, tentamos ativamente resolver alguns problemas mais ou menos práticos e definidos. E progredimos unicamente se estivermos preparados para aprender de nossos enganos, reconhecer nossos erros e os utilizarmos criticamente, em vez de perseverar dogmaticamente neles. Ainda que essa análise possa parecer trivial, descreve, creio eu, os métodos de todas as ciências empíricas. São justamente os problemas de ordem prática que nos levam a ensaiar hipóteses, teorias, e submetê-las à experimentação. As questões práticas que surgem é que nos induzem à elaboração de ensaios provisórios, que devem ser criticados a fim de identificarmos sua falsidade e assim percebermos os erros que sempre cometemos. Todas as teorias são ensaios, hipóteses provisórias, lançadas para verificarmos se são válidas e nossa atitude diante delas é de crítica, com a intenção de desvendar seu erro”.(14)

A passagem do conhecimento pré-científíco para o conhecimento científico estaria na atitude crítica que caracteriza este último. A atitude crítica realiza-se na busca para detectar conscientemente o erro e eliminá-lo.

Portanto, pode-se concluir que toda experiência de totalidades sociais desconsidera o caráter fragmentário das individualidades que a compõem. Para abranger a totalidade, ela é obrigada a simplificar os problemas, eliminando as diferenças individuais. Destruindo a diversidade de mentes, aniquilando a possibilidade da livre expressão do pensamento, especialmente do pensamento crítico. Dessa forma, as experiências de totalidades sociais impossibilitam o próprio conhecimento científico, pois, como atitude metodológica, implicam na supressão da liberdade de crítica.

Os experimentos de "todos sociais" não significam avanço do conhecimento, pois, as experiências de totalidades sociais, na medida em que são possíveis, não contribuem muito para a soma de nossos conhecimentos experimentais. Só podemos falar em experiência de totalidades sociais se considerarmos a experiência no sentido de "ação cujo resultado é incerto" e não no sentido de "uma forma de adquirir conhecimento por meio da comparação dos resultados obtidos com os resultados esperados".(15)

Essa posição contém uma crítica explícita a certas teorias do método em ciências sociais que concebem a realidade social como dotada de existência própria, independente da existência dos indivíduos que a compõem. Como exemplo de tal concepção, pode-se citar a proposta de E. Durkheim. Ele diz:”Ora, o grupo está constituído de maneira diferente do indivíduo, e as coisas que o afetam são de outra natureza. Representações que não exprimem nem os mesmos sujeitos nem os mesmos objetos não poderiam depender das mesmas causas. Para compreender a maneira pela qual a sociedade vê a si mesma e ao mundo que a rodeia, é preciso considerar a natureza da sociedade e não a dos indivíduos”.(16)

Em outra passagem, E. Durkheim afirma de forma categórica:”Se a síntese sui generis que constitui toda sociedade desenvolve fenômenos novos, diferentes daqueles que se passam nas consciências solitárias (ponto cuja admissão já alcançamos), concorde-se também que a sede de tais fatos específicos é a própria sociedade que os conduz, e não as partes desta, isto é, seus membros. Tais fatos são, pois, nesse sentido, exteriores às suas consciências individuais consideradas como tais, do mesmo modo que os caracteres distintivos da vida são exteriores às substâncias minerais que compõem o ser vivo. Não é possível reduzi-los a seus elementos sem entrar em contradição, uma vez que, por definição, neles está pressuposto algo mais do que os elementos que contêm.(17)

E. Durkbeim parte de uma dissociação fundamental entre o indivíduo e a sociedade. Os fatos sociais não são coisas materiais, mas “constituem coisas tais como as coisas materiais, embora de maneira diferente", conforme afirma em As regras do método sociológico, pp.XX e XXI. Os fatos sociais não são, pois, coisas; não devem ser classificados em determinada categoria do real, mas necessitam ser tratados por certa atitude mental. Suas propriedades características não podem ser descobertas pela mais atenta das introspecções. Para compreendê-los, o indivíduo deve aceitar a condição de sair de si mesmo, por meio da observação e experimentação. O fato social é, portanto, exterior ao indivíduo. E. Durkheim, procurando expressar de modo claro sua posição, declara que é fato social toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então, ainda, é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter.(18)

O fato é que, as experiências de totalidades sociais nos impedem de identificar quais os resultados de uma certa medida, ou de uma intervenção determinada. Dessa maneira, se somos capazes de atribuir um determinado resultado a uma determinada medida, somente podemos fazê-lo se possuirmos um conhecimento teórico adquirido anteriormente e não proveniente do experimento de totalidades sociais em questão.

E. Nagel, embora utilizando-se de diferente argumento, parece concordar, neste ponto, com a análise aqui desenvolvida. Ele afirma que normalmente nos utilizamos de duas classes de termos, sempre que, na investigação social, buscamos descrever os seres humanos e suas condutas. Assim, temos os termos que se referem aos seres humanos individuais e ainda os termos designativos de grupos de seres humanos e atributos característicos de tais grupos ou formas de organização ou, ainda, das atividades manifestas por esses grupos. Contudo, a utilização dos termos coletivos ainda se constitui num ponto de discórdia entre os cientistas sociais. Isso seria particularmente válido quando se interrogam sobre questões referentes ao que designam, se é que designam algo, quando investigam sobre se os termos coletivos são definíveis mediante termos individuais. Dessa forma, o emprego de termos coletivos ou definidores de totalidades, na análise social, é assunto polêmico.(19)

No caso dos experimentos de "todos sociais", entretanto, estamos impossibilitados de identificar exatamente quais os resultados de uma medida específica. O máximo que podemos fazer é atribuir "a totalidade dos resultados" à "totalidade das medidas".

Ademais, o método fragmentário é um instrumento muito mais eficiente. Pode ser usado com ampla facilidade para identificação e combate dos maiores e mais urgentes males de nossa sociedade. Permite-nos uma luta definida contra formas concretas de injustiça e exploração. Pelo método das "propostas parciais" podemos, por exemplo, identificar a fome e a miséria como males a serem sanados. Esse método não nos dispersa num universo de modelos ideais e distantes voltados para o "bem último" ou para a "sociedade perfeita". Por meio dele, o fracasso e o erro são mais facilmente identificados.

Popper argumenta que, da mesma forma que a infra-estrutura composta pelas máquinas de uma empresa pode ser entendida como resultado de pequenos arranjos e correções nos diferentes aspectos do processo mecânico de produção, também o planejamento do processo produtivo é o resultado de intervenções setoriais e intermitentes. Assim: “Pode-se admitir que as máquinas físicas possam ser planejadas com êxito mediante modelos e planos detalhados e, com elas, uma fábrica inteira para sua produção etc. Porém, tudo isso é possível só porque muitos experimentos fragmentários foram levados a cabo de antemão. Cada máquina é o resultado de muitas pequenas melhoras. Cada modelo tem de ser "desenvolvido" pelo método de ensaio e erro, por incontáveis pequenos reajustes. O mesmo vale para a planificação de uma fábrica. Esse plano, aparentemente holístico, só pode ter êxito porque já cometemos toda sorte de pequenos enganos; de outra forma seria de esperar que tal espécie de planejamento levasse a erros sérios”.(20)

Uma vez estabelecida a proposta de que não se dão experimentos de totalidades sociais, surge a questão de como aplicar o método experimental nas ciências sociais. A interpretação aqui exposta implica na idéia de que é impossível a reprodução de experiências sociais exatamente equivalentes. Ao procedermos a um experimento social de dois fenômenos, ainda que se possa descrever as condições de semelhança, há uma série de fatores cuja ação sobre os experimentos não podemos descrever com exatidão e, conseqüentemente, nada podemos dizer de sua importância na reprodução da experiência. Só existe uma forma de detectarmos logicamente a existência de condições semelhantes entre os experimentos sociais. Esta forma é a experimentação. Só fazendo as experiências podemos constatar se duas experiências são equivalentes.

E' impossível identificar, a priori, a importância e a influência de determinados fatores sobre a experimentação. Assim, a variabilidade das condições sociais, conseqüência inevitável do fator temporal, influencia fatalmente as experiências sociais. Porém, isso não torna inviáveis as experiências sociais. Só a experiência pode nos assegurar qual a influência que a mudança (variação) das condições sociais exerce sobre a experiência. A própria afirmação de que a variação das condições sociais influencia fatalmente as experiências sociais é uma proposição sujeita à experiência.

Em diferentes (variáveis) condições sociais, poderemos obter diferentes experiências sociais. Isso, contudo, não destrói o caráter científico das experiências sociais. Esse caráter depende da forma como se concebe a ciência. Se entendermos a ciência como teorias e presunções que se criticam, e sustentarmos que o conhecimento científico caminha pelo método do ensaio e erro, podemos assegurar que a discrepância entre o resultado esperado e o resultado obtido não invalida a possibilidade da experimentação. Isso porque, no mais das vezes, fazemos as previsões dos resultados baseando-nos apenas em nossas experiências mentais.

É pelo poder imaginativo que podemos criar nossos ensaios. A falsificação de nossas teorias aprimora nossa habilidade de interpretar as condições sociais. Assim, é possível resguardar a validade científica das proposições da ciência social. Para isso, contudo, devemos adotar uma determinada noção de ciência. Um grande número de experimentos sociológicos muito desejáveis permanecerão um sonho durante muito tempo, apesar de não serem de caráter utópico, mas fragmentário. Na prática, o sociólogo tem de confiar, muitas vezes, em experimentos levados a cabo mentalmente e em uma análise de medidas políticas levadas a cabo sob condições e maneiras que deixam muito a desejar do ponto de vista científico.(21) Entretanto, essas teorias também se aplicam ao papel da experiência nas ciências naturais. Também nestas, a experiência e a observação não são os elementos que fornecem validade ou determinam a certeza do conhecimento científico. Elas são instrumentos indispensáveis na busca do controle das especulações teóricas, do estímulo à busca de uma hipótese resistente aos testes experimentais, e da prova das teorias, para detectar os nossos erros.


7.


O fato de que os fenômenos sociológicos parecem estar condicionados aos períodos históricos constitui um problema para a construção de leis sociológicas.
Somos inclinados, naturalmente, a considerar como leis, válidas para todas as sociedades, as regularidades, a constância de costumes, que observamos nas sociedades em que vivemos. Contudo, desconsideramos que, no mais das vezes, essas são características aplicáveis apenas a nossa sociedade e a nosso dimensionamento temporal. Assim, podemos incorrer no erro de estender as experiências sociais passadas, com todas as suas implicações, aos experimentos futuros, de cuja existência nada mais sabemos que sua mera possibilidade. Em decorrência disso, podemos transformar em leis, supostamente universais, os resultados de experiências que realizamos em nosso tempo.

Contudo, esse aspecto do problema, cujas implicações teriam sido postas de forma exagerada pelos historicistas, não é insolúvel. É fato que não podemos escapar do dimensionamento temporal dos acontecimentos sociais. Entretanto, do ponto de vista lógico, há um expediente de grande validade na resolução dessa questão: a capacidade inventiva do cientista, a invenção científica.

Além do mais, tal dificuldade não é peculiar das ciências sociais, é também aplicável às ciências naturais. Porém, nem por isso podemos afirmar que o dimensionamento temporal se constitui em fator impeditivo das ciências naturais. O fato é que não existem empecilhos lógicos para a elaboração de leis sociológicas que sejam aplicáveis a diferentes períodos. Se é certo que existem dificuldades para conseguir superar o dimensionamento temporal dos fatos sociais, isso é igualmente válido para as ciências naturais.

Nas ciências naturais é que encontramos os exemplos mais notáveis da capacidade inventiva do cientista. Por exemplo, os estudos de Newton sobre os corpos livres da influência da gravidade.(22)

Ademais, se o condicionamento temporal é responsável por alguma conseqüência epistemológica nas ciências sociais, o mesmo se passa nas ciências naturais. As leis científicas conservam a mesma natureza tanto em umas como em outras. É impossível assegurar a validade universal de nossas formulações científicas. Ainda que devamos tomá-las como presuntivamente válidas de forma universal. O método científico resulta na identificação de leis ou proposições com as quais pretendemos estabelecer as regras que controlam os eventos naturais de forma necessária. Se admitíssemos leis que estivessem sujeitas à mudança, nunca poderíamos explicar a mudança com leis. Equivaleria à admissão de que toda mudança é simplesmente milagrosa. E seria o fim do progresso científico, porque, se se chegassem a fazer observações inesperadas, não haveria necessidade de rever nossas teorias: a hipótese ad hoc de que as leis mudaram "explicaria tudo”.(23)


8.


Certamente, que existem algumas restrições a certas áreas das ciências sociais. Assim, embora as leis das ciências naturais, como as das ciências sociais sejam, em sua natureza, hipóteses, nem todas as hipóteses podem ser apresentadas como leis. As hipóteses históricas e uma série de hipóteses sobre o processo social global são proposições particulares, e não universais, sobre um acontecimento individual ou sobre uma série determinada de acontecimentos. Por exemplo, a hipótese evolucionista de Darwin.(24)

A sociedade humana existe no tempo, isto é, dentro do processo histórico. Contudo, a descrição desse processo não é uma lei universal, e só pode ser expressa numa proposição particular, singular. As leis são proposições que se referem a todos os processos de uma classe determinada. Ora, o processo histórico de evolução da sociedade é único. Disso se pode concluir que não existem leis do processo de evolução da história nem leis da história.

Não podemos elaborar uma lei aceitável pela ciência se sempre nos encontramos na observação de um só e único caso. É certo que, com base em uma só experiência, podemos propor uma hipótese e chegar à formulação de uma lei universal. Porém, até que essa nova proposta seja experimentada em novos casos, não podemos tomá-la como uma contribuição séria para o conhecimento científico.(25)

Essa posição poderia ser contraposta à teoria de que o processo histórico não é único. Por meio da doutrina da periodicidade de ciclos históricos poder-se-ia viabilizar a comprovação experimental das hipóteses e das leis sociais universais referentes ao processo histórico. Essa posição teria, entretanto, de responder à alegação de que não se dá a repetição de momentos históricos. Cada fato social acontece em circunstâncias diversas, e cada caso sofre a influência de sua localização no próprio processo de repetição, isto é, ele seria influenciado pelas repetições anteriores e certamente influenciaria as repetições posteriores. Além do mais, a teoria da periodicidade dos cicios históricos se constrói de tal forma que se torna impossível testá-la. Os fatos seriam selecionados conforme os critérios da própria teoria que deveriam colocar em prova. Esta teoria somente pode ser comprovada pelos fatos e nunca falseada por eles. Seria uma daquelas teorias sem falseadores potenciais. E, portanto, não-científica.

Um outro argumento que poderia ser contraposto à essa posição sugere que podemos discernir e extrapolar a tendência ou a direção de um movimento revolucionário do todo social.(26)Esse argumento se fundamenta na teoria de que os objetos das ciências naturais e sociais são análogos. E como nas ciências naturais as predições são componentes lógicos de seus sistemas, acredita-se que tal também se aplique às ciências sociais.

Esse argumento, entretanto, é falso, pois a analogia dos objetos das diferentes ciências não é tão extensa quanto o argumento implica. As ciências naturais partem de sistemas estacionários e fazem predições dinâmicas a longo prazo. É o caráter estacionário do sistema que permite ao cientista natural fazer predições futuras. E pelas razões anteriormente consideradas, o mesmo não pode ocorrer nas ciências sociais.

As ciências sociais consideram sistemas que não são estacionários nem repetitivos. Isso é particularmente válido se considerarmos que é justamente nos sistemas não-repetitivos que importaria prever o movimento evolucionário. O máximo que se pode conseguir é dimensionar conjuntos de aspectos selecionados. Não podemos, portanto, captar a evolução de aspectos multidimensionais da sociedade. São considerações como essas que teriam levado Popper a afirmar:
“A esperança, em especial aquela de que, um dia, possamos encontrar "leis do movimento da sociedade", da mesma forma como Newton encontrou as leis do movimento dos corpos físicos, não é mais do que o resultado desses mal-entendidos. Visto que não existe, numa sociedade, movimento em sentido semelhante ou análogo ao do movimento dos corpos físicos, não podem existir tais leis.”(27)

É possível concluir que é válido supor a existência de tendências relativas ao processo de desenvolvimento histórico das sociedades. Mas as tendências não são leis. Uma proposição que afirme a existência de alguma tendência é existencial e não universal. Ela estaria propondo a existência de uma tendência em determinado espaço e tempo, seria, portanto, uma proposição histórica singular. Além do mais, estaria simplesmente afirmando um fato e não proibindo um evento, como é a exigência lógica de uma lei universal. Com base em leis universais, podemos fazer predições de acontecimentos. Contudo, ao considerar tendências, não podemos prever acontecimentos particulares. De igual forma, de uma tendência não podemos concluir por uma lei. De qualquer sucessão de acontecimentos tomados da natureza, de qualquer seqüência de fatos concretos, não se pode encontrar a conexão causal entre eles, expressa em uma única lei da natureza. Se dois ou mais fatos estão relacionados entre si por uma conexão causal, essa relação não pode ser descrita por uma só lei nem mesmo por um único grupo de leis com características especiais para tal caso. A ação dos fatores que determinam tal conexão é inexprimível em sua totalidade lógica. Da mesma forma, como não são as tendências que validam as leis, não existem leis que determinem o caráter dinâmico das tendências.


9.


Todas essas considerações implicam a idéia que há distinção entre leis e tendências. Um acontecimento específico só é explicado na sua relação causal se de sua explicação for possível deduzir uma proposição que descreva esse acontecimento. Essa proposição teria de ser inferida das seguintes premissas: de um lado, algumas leis universais e, de outro, algumas proposições particulares que descrevam as condições iniciais específicas relativas ao caso em questão.

Seria um exemplo de explicação científica a seguinte afirmação: para cada fio de uma mesma estrutura dada, determinada pelo material de que é feito, por sua espessura etc., existe um peso característico P, tal que o fio se partirá se um peso maior que P for suspenso nele. Se, num fio de estrutura E1, o peso característico P é igual a 1kg, e um peso P2, igual a 2kg, for dependurado nele, o fio se romperá.(28)

A estrutura dessa explicação é composta de proposições singulares, que descrevem as condições iniciais específicas: "este fio tem uma estrutura E1" e "o peso suspenso no fio foi um peso de 2Kg”. Isto posto, podemos deduzir, das leis universais e com a ajuda das proposições que descreviam as condições iniciais específicas, a seguinte proposição: “o fio se romperá”. Essa é a conclusão, é o efeito, o prognóstico, ou a previsão científica.(29)

C. Hempel apresenta uma visão semelhante, porém mais detalhada da estrutura das explicações científicas. Ele diz: “Caso as leis relevantes sejam explicitamente formuladas, a explicação resultante pode ser apresentada sob forma de um argumento dedutivo, no qual a ocorrência do evento em questão é inferida a partir de um conjunto de premissas que especifica (i) as leis relevantes e (ii) as circunstâncias antecedentes particulares que se diz, em termos comuns, terem sido a causa do acontecimento. Nossa explicação da dilatação do fio de cobre, por exemplo, assumiria a forma de um argumento com duas premissas: (i) a lei geral segundo a qual todo fio de cobre toma-se mais longo quando sua temperatura se eleva e (ii) o enunciado de que dado fio era feito de cobre e de que sua temperatura sofreu elevação. Dessas premissas decorre, dedutivamente, a conclusão de que o fio se estendeu em comprimento, que é o fato a ser explicado. Assim, o enunciado explicativo de que a dilatação do fio foi causada pela elevação da temperatura é substituído por um argumento no qual já não aparece a palavra "causa" ou seus cognatos. Nesse argumento se diz, resumidamente, que dado fio de cobre foi aquecido e que todos os fios de cobre, quando aquecidos, dilatam-se; e que, portanto, o dado fio de cobre dilatou-se.(30)

Essas exigências têm de ser satisfeitas para que se tenha uma explicação científica. Do que se conclui que não se dão causas ou efeitos de modo absoluto. O ato de predizer um acontecimento é apenas decorrente da aplicação das leis científicas nas condições preestabelecidas. Nessa formulação, estaríamos usando o conhecimento científico para explicar um acontecimento particular.

Contudo, a explicação causal de regularidades descritas por uma lei universal implica em novas exigências. A explicação causal de uma regularidade consiste em deduzir uma lei (que contém as condições sob as quais tem validade a regularidade proposta) de um grupo de leis mais gerais, que tenham sido experimentadas e confirmadas independentemente.(31)

As regularidades podem adquirir consistência lógica de "quase leis dinâmicas" e, inclusive, serem utilizadas como base para predições. Mas não se deve esquecer que isso só será possível, isto é a sua validade depende da persistência de certas condições iniciais. Não possuindo, portanto, a mesma natureza das leis, cuja característica é a universalidade incondicional.


10.


Nas interpretações da realidade social que construímos não se dão tendências ou regularidades logicamente absolutas. Disto se pode concluir que não se justificam previsões incondicionais. Se elas existissem, teriam o caráter de profecias. Porém, as predições científicas são sempre condicionais, visto que são vinculadas às condições iniciais específicas. Toda classe de tendências está vinculada a um conjunto de condições específicas. Se fosse possível descrever o conjunto de condições específicas de todas as tendências, então, seria possível prever tendências. Ora, isso é impossível.

Chegamos, portanto, à conclusão de que as tendências são condicionais. É difícil a tarefa de determinar as condições em função das quais as tendências persistem. Talvez seja mais fácil descobrir as condições sob as quais elas não sobrevivem. De fato, existem incontáveis possíveis condições e, para poder examinar todas as possibilidades em nossa busca da verdadeira condição de uma tendência, devemos tentar imaginar, a cada momento, as condições sob as quais a tendência em questão desapareceria.(32)

Portanto, toda análise em ciências sociais parte de problemas e se desenvolve com base na experimentação de possíveis soluções para estes e para os demais problemas que, porventura, apareçam no decorrer da investigação. É por meio de tentativas experimentais para resolver nossos problemas, por meio de conjecturas controladas pela mais severa crítica, que se desenrola o desenvolvimento das ciências sociais.(33)


Conclusão


A teoria do método das ciências sociais, aqui proposta, é fundamentada no "individualismo metodológico", isto é, ela se baseia na teoria de que os comportamentos e as ações das coletividades são expressão do comportamento e das ações individuais.(34)

Outro fundamento dessa posição é a teoria de que homens e mulheres são condicionados pelo meio social. Contudo, também os fenômenos sociais são resultado de ações e decisões humanas. Ainda que, nem sempre, eles sejam os resultados de ações humanas conscientes e intencionais. Freqüentemente, as ações humanas produzem conseqüências involuntárias e indesejáveis.(35)

A tarefa das ciências sociais consiste em tentar identificar e analisar as conseqüências das ações humanas dentro do quadro das instituições e tradições sociais. Consiste em procurar descrever as repercussões involuntárias das ações humanas intencionais.

Para a compreensão das conseqüências das ações humanas, devemos recorrer às situações em que estas ocorrem. É necessário, portanto, que procuremos penetrar na "lógica da situação". Os fenômenos sociais são sempre o resultado das decisões, ações e atitudes dos seres humanos. É possível a compreensão objetiva de um fato social. A isto Popper chama de "lógica da situação": a ação se faz compreender em seu contexto de situação social. Para tanto, é necessário destituir a ação de todo seu significado individualista ou psicológico, isto é, todos os aspectos que constituem a explicação do fato devem ser convertidos em elementos da situação.(36)

A "lógica da situação" constitui-se de explicações racionais e teóricas dos fatos sociais. A "lógica da situação" é formada por "composturas parciais", que se caracterizam por ser teorias-tentativas, altamente criticáveis e sujeitas a palpáveis melhorias. Esse é o método das ciências sociais, que nos permite compreendê-las dentro dos moldes críticos da ciência contemporânea.


Notas e referências


1. Popper afirma: "Não pretendo afirmar que inexistam diferenças entre os métodos das ciências teóricas relativas à natureza e à sociedade; essas diferenças são claras e se manifestam até mesmo entre as diferentes ciências naturais, bem como entre as diferentes ciências sociais. (Comparemos, por exemplo, a análise de mercados competitivos e de línguas românticas.) Concordo, porém, com Mill e Comte - e com muitos outros autores, entre os quais C. Menger - em que os métodos usados nos dois campos são fundamentalmente o mesmo (embora deva divergir desses autores quanto àquilo que deva ser considerado método). Os métodos consistem sempre em oferecer explicações causais dedutivas e em submetê-las a testes (por meio de previsões)". POPPER, KARL R. A miséria do historicismo. São Paulo, Cultrix/Edusp, 1980, p. 102.

2. Idem, ibidem.

3. Idem, ibidem, p. 104.

4. Idem, Conjecturas e refutações: O desenvolvimento do conhecimento científico. Brasília,Unb, 1983, p. 56.

5. Idem, A miséria do historicismo. São Paulo, Cultrix/Edusp, 1980, p. 1 1 0.

6. Carl G. Hempel apresenta uma análise bastante interessante dos fatores teóricos e práticos que influem na investigação científica. Ele diz: "Entre os muitos fatores que estimularam e sustentaram a investigação científica ao longo de sua longa história, figuram duas preocupações permanentes, que se constituíram nos motivos mais importantes para que o homem se desse a esforços no campo da ciência. Um deles é de caráter prático: o Homem procura, constantemente, melhorar a posição estratégica em que se situa diante do mundo onde vive e, para tanto, busca encontrar meios eficazes de prever o curso dos acontecimentos que têm lugar a sua volta e, sempre que possível, tenta controlá-los para disso tirar proveito. Quão bem sucedida houver sido a pesquisa na perseguição desse objetivo é evidenciado pelo campo vasto e continuamente crescente das aplicações tecnológicas, tanto construtivas como destrutivas, que imprimiram seu selo característico em todos os aspectos da civilização contemporânea". E, ao dar destaque aos fatores teóricos, continua: "A segunda motivação básica para a investigação científica em que o homem se empenha não envolve preocupações de ordem prática: reside, simplesmente, em sua curiosidade intelectual, em seu desejo profundo e persistente de chegar a conhecer e compreender o mundo que habita. Tão forte é essa necessidade de conhecimento e compreensão que, na ausência de informação fatual adequada, mitos são freqüentemente invocados para responder perguntas acerca do quê e do porquê dos fenômenos empíricos" (HEMPEL, CARL G. "Explicação científica", in SIDNEY MORGENBESSER (org.) Filosofia da ciência. São Paulo, Cultrix/Edusp, 1975, p. 159).

7. POPPER, KARL R. A miséria do historicismo. São Paulo, Cultrix/Edusp, 1980, p. 47.

8. Popper afirma: "Assim como o propósito da engenharia comum é o de projetar máquinas, aperfeiçoá-las e mantê-las, a tarefa da engenharia social de ação gradual é a de projetar instituições sociais, reconstruí-las e fazer as já existentes operarem. A expressão "instituição social" é aqui utilizada em sentido muito amplo, incluindo entidades de caráter público e privado. Valer-me-ei dessa expressão para aludir seja a uma pequena loja, seja a uma grande empresa de seguros, a uma escola, a um 'sistema educacional', à organização policial, a um tribunal ou a uma igreja. Um tecnologista ou engenheiro que acolha o método da ação gradual reconhecerá que apenas algumas instituições sociais brotam por força de um planejamento consciente, enquanto a grande maioria delas tão somente surge como conseqüência imprevista de ações humanas" (POPPER, KARL R. A miséria do historicismo. São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1980, p. 52).

9. Idem, ibidem, p. 53.

10. Idem, ibidem., p. 53.

11. Idem, ibidem, pp. 53-54

12. Idem, ibidem, pp. 66 ss.

13. Idem, ibidem, p. 68.

14. Idem, ibidem, p. 69.

15. Idem, ibidem, pp. 70 ss.

16. DURKHEIM, ÉMILE. As regras do método sociológico. São Paulo, Nacional, 1977, p. 26.

17. Idem, ibidem, p. 25.

18. Idem, ibidem, p. 11.

19. NAGEL, ERNEST. La estructura de la ciencia. Buenos Aires, Paidás, 1968, p. 481.

20. POPPER, KARL R. A miséria do historicismo. São Paulo, Cultrix/Edusp, 1980, pp. 72-73.

21. Idem, ibidem, p. 2.

22. Idem, ibidem, pp. 77-78.

23. Idem, ibidem, P. 80-81.

24. Idem, ibidem, p. 83.

25. Idem, ibidem, p. 85.

26. NAGEL, ERNEST. op. cit., p. 543.

27. POPPER, KARL R. A miséria do historicismo. São Paulo, Cultrix/EdusP, 1980, PP. 89-90-

28. Idem, ibidem, pp. 95-96.

29. Idem, A lógica da pesquisa científica. São Paulo, Cultrix/Edusp, 1975, pp. 62-63.

30. HEMPEL, CARL G. op. cit., pp. 160-161.

31. POPPER, KARL R. A miséria do historicismo. São Paulo, Cultrix/Edusp, 1980, p. 98.

32. Idem, ibidem, p.101.

33. Idem, A lógica das ciências sociais. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978, p. 16.

34. Idem, A sociedade aberta e seus inimigos. Vol. 11. São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1974, p. 99.

35. Idem, ibidem, p. 101.

36. Idem, A lógica das ciências sociais. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978, p. 32.

11 comentários:

Prof. Luis A. Peluso disse...

Caros alunos,
Depois de ler o texto, faça um comentário de 15 linhas.

Rodrigo Santiago disse...

Do ponto de vista das ciências sociais, Popper defende uma perspectiva que se conhece como individualismo metodológico, isto é, que o método mais adequado para se explicar os fenômenos sociais é por meio das ações dos indivíduos que compõem um determinado sistema social. De fato, Popper tenta diferenciar seu individualismo metodológico de atomismo (ou a visão segundo a qual o mundo deve ser explicado a partir de seus elementos mais básicos, singulares) ao propor que os indivíduos, devem ser considerados a partir de sua inserção em seu ambiente social. Em outros termos, seu individualismo metodológico dá origem a um tipo específico de explicação, a “análise situacional”, segundo a qual os indivíduos não são átomos isolados, mas fazem parte de um contexto que deve ser considerado, caso se pretenda entender o que se passa em suas mentes e porque eles agem de uma forma e não de outra.

A análise situacional defendida por Popper deriva diretamente de sua tese da unidade do método científico, isto é, da visão de que o método hipotético-dedutivo é o único método adequado para se construir teorias científicas.
O método defendido por Popper estabelece que as teorias científicas não são verdades comprovadas e definitivas, mas explicações tentativas (hipotéticas ou conjecturais) que podem ser consideradas mais ou menos plausíveis. Ao contrário do que afirmavam os empiristas, as hipóteses e teorias científicas não poderiam ser verificadas porque não é possível um conhecimento por indução a partir da repetição de observações singulares. (A verificação pressupõe a observação de casos singulares e a indução desses casos singulares para casos mais gerais, como as leis). Ao contrário do argumento indutivo defendido pelos empiristas, Popper alinha-se com os racionalistas ao afirmar que a mente humana tem disposições inatas que são modificadas ao longo do tempo É a possibilidade de se testar essas hipóteses que garante a possibilidade de se afirmar à realidade dos objetos da ciência. Em outros termos, quando as hipóteses não são falsificadas, elas provavelmente não podem ser reduzidas a meros instrumentos ou definições, mas dizem algo a respeito do mundo (seu caráter informativo).
Neste sentido, para Popper, tanto as proposições universais (as leis científicas) quanto as proposições singulares (observações de fatos particulares) transcendem a experiência – o que desqualifica o empirismo e a indução como formas seguras de conhecimento. Mas a experiência não é algo que Popper deseje abandonar de todo, daí a idéia de se reduzir termos abstratos a termos mais concretos. Entretanto isso só se sustenta porque ele parece presumir que os indivíduos são, em algum sentido não especificado, mais concretos, ou menos abstratos, do que as coletividades sociais. De acordo com ele, as coletividades sociais não são entidades naturais concretas, mas modelos abstratos construídos pelo pesquisador a fim de que se possa interpretar certas relações abstratas entre os indivíduos. Segundo esta visão, a sociedade não é nada além de um agregado de indivíduos e o que poderíamos chamar do “ambiente social” dos indivíduos constitui-se apenas de relações interpessoais (nada como estruturas macro-sociais, por exemplo).
Apesar disso, Popper aponta para uma diferença importante entre as ciências naturais e as sociais que, de fato, justifica a incorporação das disposições individuais em nossos modelos explicativos: o fato de que, nas ciências sociais, nós já temos algum conhecimento intuitivo acerca da realidade social que pode ser utilizado para formularmos hipóteses acerca do comportamento das pessoas nas interações sociais.
Independentemente dos problemas relativos aos modelos da ação racional (em que medida ele permite uma descrição realista das ações humanas?).

Giuliano disse...

Apontando agora diferenciações em ciências sociais e naturais, o texto mostra que; como explicitado anteriormente, para a definição de ciência devemos seguir moldes:
Além da idéia de serem hipotético-conjecturais, as ciências sociais e naturais tem outras coisas em comum como os métodos com que cada uma estuda e seus campos que são fundamentalmente os mesmos. Havendo então, a priori, uma distinção somente sobre os objetos e problemas a serem estudados.
Exposta a idéia do método hipotético-dedutivo para a predição de certos eventos, é possível considerar que um cientista social tenha maior facilidade de aplicar o método já que verificamos que os seres agem de forma racional e uma proposta pode ser feita com base na própria vivencia do cientista, ato que não pode ser feito por alguém que descreve partículas subatômicas.
Dito isso, é verificado um problema quanto à generalização de enunciados, muito comum em tempos não tão distantes. Devido à complexidade de uma sociedade e o grau de imprevisibilidade dos indivíduos, um enunciado ou proposição descritiva do 'todo' generaliza muito, trazendo pra si um grave problema já que elimina a individualidade das mentes, propondo assim a não - critica, logo, o não - avanço do conhecimento.
Popper propõe então, que as teorias sociais devem ser interpretadas como "propostas parciais", tratando assim do grande problema da generalização, o enfoque do texto.
Além de ser de grande eficiência para estudos e lidar com a identificação e analise das conseqüências das ações humanas (inclusive as involuntárias e indesejáveis) dentro do quadro das instituições e tradições sociais, no que consiste a Ciência Social.

Prof. Luis A. Peluso disse...

Caro Rodrigo,
Seu texto é excelente. O texto demonstra um conhecimento das propostas do racionalismo crítico, com especial referência ao pensamento de Popper, que vai além daquilo que é examinado no Capítulo 9. Quem sabe vc. pensa na possibilidade de continuar, no futuro, seus estudos em Filosofia da Ciência.

Prof. Luis A. Peluso disse...

Caro Giuliano,
Seu texto é bom. Ele revela contato com o conteúdo do Capítulo 9 e está escrito de forma a permitir ao leitor saber qual o tema que está sendo examinado. Falta, entretanto, um pouco mais de ousadia do autor da postagem. Seria interessante deixar o leitor saber o que vc. pensa sobre as idéias apresentadas.

Dono do blogg disse...

As ciências sociais compartilham o método hipotético-dedutivo para propor soluções a determinados problemas, práticos e às vezes de origem metodológica, sendo que há a busca pela explicação, predição ou experimentação de uma teoria (sendo a última que revela os erros e acertos desta).
Porém, as ciências sociais possuem objetos de estudo cujas variáveis envolvidas oscilam com relação ao tempo, ou seja, são objetos não estacionários. Assim é muito difícil tratar de um fenômeno social como um todo, já que o sistema origina fatos muito diferentes do “objeto individual”, além disso, tem variações em seus componentes internos com relação ao tempo. A predição de acontecimentos e a questão dos ciclos históricos tornam-se também muito imprecisos devido a estes fatos.
Quanto maior o sistema a ser estudado maior será a quantidade de “objetos individuais” e variáveis não relevados e provavelmente maiores serão os desvios da realidade ao se concluir determinada teoria. Desta forma Popper propõe o método da “engenharia social fragmentada”, que a partir de estudos em parcelas da sociedade são propostas soluções para determinados problemas mais gerais, e posteriormente há o teste destas hipóteses. Com isto tenta-se reduzir a quantidade de medidas tomadas no âmbito social de forma precipitada ou indesejável, sem recorrer a medidas que levem em consideração o total absoluto.
As ciências sociais então se utilizam de ferramentas (como estatísticas) que proporcionam uma modelagem de problemas, indicações, tendências de fenômenos ou a estimativa de dimensão dos problemas.
Este ramo da ciência evoluiu no sentido de que a observação de sistemas muito grandes e complexos eram extremamente susceptíveis a erros, assim têm-se que teorias sobre o rumo das civilizações para determinado estágio, ou intervenções em larga escala de uma sociedade tornaram-se também grandes equívocos. Deste modo tornou-se mais interessante analisar fenômenos menores (não ao ponto de se tornarem teorias pouco informativas), aplicar medidas de forma mais controlável e, aos poucos, conseguir avanços com relação aos problemas que afligem as sociedades .

IRS disse...

Tal como conceitos físicos, a sociedade é importante objeto de estudo. Mas quanto a sua validade, a seu método. Haveria algo de análogo entre as ciências físicas e as ciências sociais?
O texto sugere que o estudo da sociedade é tal como o trabalho de um engenheiro de construções, a encaixar peças, blocos, ou aperfeiçoar a sociedade, a fim de que ela funcione bem. Veríamos aí certa distinção entre as ciências sociais e o método na física e a química por exemplo. Estas ultimas seriam ferramentas, não construções, como seria a sociedade.
Tal fato constitui grande diferença entre a análise da sociedade e a das ciências. Na sociedade não elaboramos teorias mais “adaptadas” que outras anteriores, com o intuito de explicá-la. A Sociedade tem em si elementos nos quais mesmo os conceitos científicos estão presentes, a constituir um elemento da mesma. De fato, se assemelha a uma obra, a um projeto de engenharia.
Mas além disso, e por outro lado, as ciências sociais procuram abstrair seus elementos a fim de analisá-los, como que para aperfeiçoar ou apenas entender como seus elementos se correlacionam.

ney carvalho disse...

Popper tem uma recusa ao método utilizado pelos cientistas sociais, no aspecto de utilização das totalidades, pois seu controle é dificultado uma vez que o micro influencia no macro, sendo impraticável considerações ou teorias totalitaristas, existe uma necessidade de demarcar e estipular fronteira, para uma minuciosa analise das possibilidades possíveis, seu conjunto de proposições devem descrever leis universais, e indicar suas condições iniciais, reduzindo assim as chances de falseabilidade .
Tem-se então a noção de uma engenharia fraguimentária , onde o avanço é feito passo a passo, aprendendo com os erros, e tem presente o fator humano, com ações imprevisíveis necessitando alterações de correção.
Outro aspecto apontado com problemas é o fator temporal, as teses desenvolvidas nas ciências tanto social quanto natural, é algo suscetível de alterações em futura sociedade, mantêm-se então o fato das ciências ser algo temporal e mutável, não aplicável em outras situações .
Não importa se a ciência é natural ou social, ela continua mantendo a sua característica de explicações possíveis, conjecturais e hipotéticas não sendo consideradas como verdadeiras. Mesmo tendo praticamente a mesma metodologia aplicada as duas ciências, um aspecto diferencia as sociais das naturais, o individualismo humano, que é imprevisível , emocional e critico. Dificultando e muito a previsão de alguma ação.

Unknown disse...

O foco principal do texto é mostrar que não é possível o estabelecimento de leis universais nas ciências sociais. Devo dizer que esse foi um dos textos mais interessantes de ser lido, isso pelo simples fato de que acho que todos já se perguntaram se existe alguma maneira de se descobrir como é o melhor jeito de se organizar a sociedade ou se podemos prever os acontecimentos ruins na história para podermos evitá-los(acho que esse meu comentário foi em si uma tentativa de se estabelecer uma lei universal :) ), mas Popper dá bons motivos para suportar sua teoria de que tal feito não é possível. De fato o grande problema da criação de leis universais nas ciências sociais parece ser o fato de que não podemos considerar o meio-social como algo independente dos indivíduos, como algumas teorias propunham. E esse elemento da individualidade humana, capaz de racionalizar o mundo e chegar a diferentes conclusões, torna o ato da criação de teorias universais impraticável, já que não é possível levar em consideração todas as individualidades. Além do mais, como essas teorias não podem ser testadas, e, portanto, falseadas, então elas não podem ser consideradas científicas. Também achei muito interessante a parte em que ele descorre sobre as dificuldades epistemológicas da teoria de que a história anda em ciclos. Isso porque essa concepção é muito famosa, e popular. Mas o ponto que achei mais interessante foi o argumento utilizado de que não se podem fazer leis universais para a história pois, se ela não se move em ciclos, só existe uma história, e, portanto, não é possível analizar outra história para verificar se as leis se aplicam. Tornando a teoria não passível de falsificação, e, portanto, não científica.
Por fim, ao meu ver, concordo com Popper quando ele diz que, pelo menos na atual situação, as ciências sociais só são capazes de trabalhar com partes fragmentárias da sociedade, propondo maneiras de se solucionar problemas, assim como uma engenharia.

Ana Valle disse...

Neste texto Popper faz uma análise do estudo das ciências sociais, o que na minha opinião, requer muita coragem e audácia para lidar com um tema tão delicado, complexo, e que pode ser considerado imprevisível. É só imaginar que uma sociedade é formada por diversos indivíduos e que cada indivíduo é um elemento deste conjunto e possui comportamento e das ações individuais, ou seja, cada elemento possui diversas variáveis, que oscilam em relação ao tempo, que podem afetar o coletivo.
Popper aponta dificuldades dos métodos que assumem que é possível conhecer a sociedade como um todo, já que toda experiência de totalidades sociais desconsidera o caráter fragmentário das individualidades que a compõem. Para abranger a totalidade, eliminam-se as diferenças individuais, destruindo a possibilidade da livre expressão do pensamento crítico. Portanto, analisar a sociedade como um todo impossibilita o próprio conhecimento científico, pois, esta metodologia suprime a liberdade de crítica.
Por essa razão, Popper defende o "individualismo metodológico", que se baseia na teoria de que os comportamentos e as ações do todo são resultado do comportamento e das ações individuais, freqüentemente, estas ações humanas produzem conseqüências involuntárias e indesejáveis. Outro ponto deste método é a teoria de que o indivíduo é condicionado pelo meio social, ou seja, o indivíduo não está isolado, logo ele deve ser estudado como um elemento inserido no coletivo.
O objetivo das ciências sociais é tentar identificar, estudar e descrever as conseqüências das ações humanas intencionais dentro da sociedade. Para compreender estas conseqüências, Popper apela para a "lógica da situação", onde, todos os aspectos que constituem a explicação de um fato são convertidos em elementos de uma determinada situação. As ciências sociais utilizam o método hipotético-dedutivo para propor soluções a determinados problemas, e procurar a explicação, predição ou experimentação de uma teoria.
Ao terminar de ler o texto, pude perceber a real importância de se estudar as ciências sociais partindo do indivíduo e não do coletivo. Se eu fosse partir do coletivo, iria ignorar aspectos pessoais e partiria para generalizações. Desta forma, o objetivo das ciências sociais não seria cumprido.

Renato disse...

Concordo plenamente com a idéia de Popper ao ser contrário a generalizações nos ramos da sociologia e ciências humanas. Cada indivíduo tem seu livre arbítrio (por mais que este seja controlado) para definir suas atitudes e seu projeto de vida. As vezes sinto que a humanidade tem uma vontade imensa de resolver seus maiores problemas, como a fome, a distribuição desigual de renda, as guerras e etc, sem antes resolver os mais simples dos seus problemas pessoais. Não acho isso algo que faça a humanidade pior, mas apenas uma certa ingenuidade por parte de nós todos.