sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

CAPÍTULO 3 - Ciência e Racionalidade Crítica

CIÊNCIA e RACIONALIDADE CRÍTICA




"Os primórdios da filosofia grega, especialmente a história desde Tales até Platão, são uma esplêndida estória. É quase boa demais para ser verdadeira. Em cada geração nós encontramos pelo menos uma nova filosofia, uma nova cosmologia de surpreendente originalidade e profundeza. Como teria sido isso possível? Certamente não se pode explicar a originalidade e o gênio. Mas pode-se tentar lançar alguma luz sobre eles. Qual teria sido o segredo dos antigos? Eu sugiro que teria sido uma tradição - a tradição de discussão crítica." (Popper, Karl R.; "The Beginnings of Rationalism", in Miller, David - A Pocket Popper, Oxford, Fontana paperbacks, 1983, p. 26.)




Introdução



Neste capítulo se pretende explorar a sugestão de K. Popper (“On the Source of Knowledge and of Ignorance”; C & R, pp. 3 e segs.) que a "racionalidade crítica" pode ser entendida em sua conexão com uma forma tradicional de racionalidade da Civilização Ocidental.

O ponto central do argumento popperiano consiste na afirmação que o conceito de “razão crítica” se esclarece no confronto com a idéia de "razão dogmática". Este ponto, associado com a sugestão acima apresentada, permite avançar a idéia que esses dois conceitos podem ser entendidos como formas conflitantes de interpretar a razão humana, as quais se desenvolveram no processo de evolução do pensamento Ocidental. Assim, o conceito que a razão humana é um instrumento de crítica e debate se desenvolve em contraste com a teoria que a razão humana produz conhecimento dogmático.

Neste texto se discute o desenvolvimento do pensamento grego à luz dessa teoria. Aqui se argumenta que é possível se falar na existência de uma “epistemologia fundamentalista” no pensamento grego. Contudo, somente em um segundo momento pode ser sintomatizada a presença de uma "epistemologia realista". Argumenta-se para a conclusão que a evolução semântica das palavras "sabedoria" e "filosofia" no mundo grego parecem corroborar a tese de Popper. O ponto que este argumento estabelece permite a interpretação da Filosofia e da Ciência como tradicionalmente associadas com as exigências de uma “epistemologia realista”, e, por conseguinte, da forma crítica de entender a racionalidade humana.



1


O conceito de "razão crítica" pode ser entendido em contraste com o conceito de "razão dogmática". O que isto sugere é que esses dois conceitos podem ser vistos como formas diferentes de interpretar a razão humana, os quais teriam aparecido no processo de evolução do pensamento ocidental. A teoria que a razão humana é um instrumento de crítica e debate tem sido desenvolvida em contraste com a idéia de que ela pode produzir conhecimento dogmático.

No desenvolvimento da Civilização Ocidental, podem ser identificados períodos em que tem predominado exclusivamente ora uma interpretação crítica ora uma interpretação dogmática de razão. Como conseqüência disso, tem havido períodos em que a epistemologia é dominada por posições otimistas, pessimistas, ou realistas.

A tradição em Filosofia pode ser caracterizada por um certo tipo de posição idealista ou subjetivista. Os filósofos têm gastado seus esforços na discussão de questões referentes ao fundamento do conhecimento humano. Entretanto, em sua grande maioria, essas questões são falsas, pois, não existe resposta para uma "epistemologia fundamentalista" somente preocupada com o problema da validade do conhecimento humano.(1)

O ponto mais importante de uma "epistemologia realista" não é a questão do fundamento último do conhecimento humano, porque este fundamento não existe, nem a justificação e definição de todos os termos usados na discussão, porque isto é impossível.(2) A questão fundamental da epistemologia consiste em investigar o processo pelo qual as teorias racionais podem se desenvolver e progredir.(3)



2.


O problema da fundamentação, ou a questão da validade do conhecimento humano é muito antiga. Hans Albert afirma que este problema é muito parecido com a questão de encontrar o "ponto arquimédico". Pois ele tem o mesmo significado do ponto estático procurado por Arquimedes para mover o mundo do seu lugar.(4)

A idéia de que um ponto estático, ou fundamento válido, poderia existir parece estar na base do modelo de racionalidade que predominou na teoria clássica do conhecimento.

Hans Albert argumenta que quando nós desejamos conhecer alguma coisa, nós realmente desejamos encontrar a verdade sobre a natureza do que quer que seja o real contexto daquilo a que estamos nos referindo. Portanto, nós desejamos formar convicções verdadeiras sobre determinados objetos e campos da realidade. Assim, parece natural para nós desejar a certeza que tudo o que tenha resultado de nossas verdadeiras convicções seja também verdadeiro. Isto somente parece alcançável quando nós conseguimos o fundamento de nosso conhecimento, isto é, quando nós podemos estabelecer o conhecimento por uma forma que o torna além de qualquer dúvida.

Parece que verdade e certeza estão estreitamente ligadas ao conhecimento humano ' A procura da verdade, de concepções, de convicções, e de toda proposição verdadeira - e por esta razão de teorias verdadeiras - parece ser inseparável da procura por uma fundamentação absoluta e, desta forma, da justificação de nossas convicções. Conseqüentemente todas essas atividades são, em última instância, a procura de um “ponto Arquimédico” válido para todo o conjunto do conhecimento humano.(5)

Examinando a evolução do pensamento Ocidental pode-se imaginar o período em que apareceu o “problema da fundamentação”. Existiu uma fase no desenvolvimento do pensamento Grego na qual o conhecimento humano não era referido de forma segmentada ou dividida em partes, porções, modalidades ou assuntos. O conjunto todo do conhecimento humano era referido como Sabedoria (Sophia), e o ser humano identificado como possuidor desse conhecimento era intitulado Sábio (Sophos).

Nesta primeira fase havia uma solução simples para o "problema da fundamentação" da sabedoria humana. Porque a garantia da Sabedoria manifestada pelo Sábio poderia ser encontrada na existência e ação de personagens mitológicos. As Musas - inspiradoras das Artes Liberais - eram a fonte onde o Sábio poderia encontrar inspiração para a verdade. Portanto, é plausível se supor a existência de uma fase no pensamento grego em que o problema da validação do conhecimento humano era ligado com a crença na existência de fontes para esse conhecimento, e conseqüentemente, ele tinha natureza divina.(6)

Uma segunda fase na evolução do pensamento Grego poderia ser identificada quando surge a diferença entre Sabedoria (Sophia) e Filosofia (Philosophia) (Platão, Fedro 278d - Teet. 145e). A distinção entre esses dois termos foi estabelecida para expressar a diferença entre conhecimento possível e conhecimento atual. Por um lado, Sabedoria significava o conjunto inteiro do conhecimento humano - o conhecimento já adquirido por homens e mulheres e o conhecimento possível não conquistado ainda, mas que poderia ser alcançado pelo ser humano, e o qual poderia ser igualmente conhecimento verdadeiro. Por outro lado Filosofia (Philosophia) significava o conjunto de conhecimentos já conquistados, e, portanto, expressava somente uma parte da Sabedoria humana (Arist., Eth. Nich. 1140b-20, 114la).

Os pensadores pré-secráticos não se consideravam os possuidores ou conquistadores de todo o conhecimento humano. Eles preferiam se apresentar como “amigos, ou amantes, ou procuradores” (Philo) da Sabedoria (Sophia). Eles não se referiam a si próprios como So- phos (Sábios), mas como Philosophos (amantes da Sabedoria).


3


Há um interessante texto de Cícero (no Tusculanarum, Lib. V - 3,8) onde ele descreve a situação que teria envolvido a origem do termo "filosofia" e seu uso pelos Filósofos Pré-Socráticos.

Cícero afirma que Heráclides do Ponto, que era discípulo de Platão, descreveu como Pitágoras veio a Flionte para encontrar Leon, Príncipe dos Filiásios. Impressionado com o gênio e a eloqüência de Pitágoras, Leon perguntou-lhe qual era, em sua opinião, o conhecimento mais confiável. Pitágoras respondeu que ele não tinha a necessária sabedoria para resolver aquela questão, pois que ele era um filósofo. Leon então, surpreso com o novo termo, perguntou-lhe quem eram os filósofos, e em que aspecto eles eram diferentes dos outros homens. Pitágoras respondeu que ele usava comparar a vida do ser humano com o comércio que existia nas Assembléias Gregas durante a solenidade dos jogos Públicos. Alguns comparecem aos jogos Públicos para brilhar nos exercícios físicos. Outros vêm para vender e comprar coisas, e seu objetivo é o lucro. Entretanto, existe uma terceira classe - a mais nobre dentre todas - que não necessita de aplausos ou de lucro, mas comparecia para observar como as coisas aconteciam. Assim, o ser humano vem de outra forma de vida, de outra existência. E as coisas acontecem como se todos estivessem numa grande feira. Alguns procuram a glória, outros o dinheiro. Contudo, existe um pequeno grupo que, desdenhando tudo o mais, devota-se ao profundo estudo da natureza das coisas. Esses homens e mulheres eram intitulados estudantes ou amigos da sabedoria, isto é "filósofos". E Pitágoras em seus comentários finais torna claro que isto não consiste numa depreciação do real valor da tarefa dos filósofos. Pois que, ele argumenta, como nos jogos Públicos a parte mais nobre é aquela que observa sem nenhuma intenção de lucro, assim também acontece na vida humana, o estudo e o conhecimento das coisas excede tudo o mais que existe.

O que tudo isto parece sugerir é que com o termo "filosofia" os filósofos pré-socráticos introduziram a idéia que o conhecimento adquirido pelo ser humano não era todo o conhecimento possível. Portanto, estava implicada nessa posição a teoria que a tarefa de descobrir a verdade é infindável.

Com o desenvolvimento do pensamento grego, e o surgimento dos grandes sistemas filosóficos, uma nova distinção é estabelecida de forma sistemática por Aristóteles e Platão. Isto é, a distinção entre “conhecimento comum” (doxa) e “conhecimento buscado” (episteme). Para colocar a questão de forma mais precisa, o conjunto de todo o conhecimento humano adquirido foi, então, dividido em "Opinião" e "Filosofia" (Platão, Rep. 509d, 511e - Arist., Anal. Post. 1, 88b, 89b).

Como conseqüência dessa divisão, somente uma pequena parte de todo o conhecimento humano adquirido poderia ser caracterizado como "Filosofia". Somente o conhecimento sistemático - coerentemente organizado - o qual resultara de uma apreensão metódica da realidade (a Lógica para Aristóteles e a Dialética para Platão), poderia ser identificado como Filosofia. Outras formas de conhecimento, aquelas idéias comuns e sem fundamentação metodológica, eram consideradas como uma matéria de “Opinião”.

Desta forma, segue-se da posição de Platão e Aristóteles que existe uma certa forma de conhecimento que poderia ser alcançada através da apreensão das essências ideais, isto é, na apreensão da essência real das coisas.

O que tudo isto parece sugerir é que, com o desenvolvimento dos dois grandes sistemas filosóficos de Platão e Aristóteles, foi quebrada a linha de tradição estabelecida pelos pré-socráticos. Pois, quando Platão e Aristóteles estabelecem a distinção entre “Opinião” e “Filosofia”, eles restabelecem uma velha forma de interpretar o conhecimento humano. Eles argumentam no sentido de restabelecer a antiga forma de tratar com o "problema da fundamentação".

Portanto, o argumento que se pretende apresentar aqui parte da idéia de que antes do período Pré-Socrático do pensamento grego, o problema da validade do conhecimento era identificado com a questão da verdade. Com os filósofos pré-socráticos, e especialmente com Sócrates, o pensamento grego desenvolveu a idéia que existia uma distinção entre Sabedoria e conhecimento adquirido, porque nenhum homem pode ser propriamente chamado de sábio. Eles argumentavam que a tarefa de conhecimento era infindável, e que os seres humanos somente poderiam ser considerados como filósofos. Sócrates diz: “Só então é que, segundo me parece, nos há de pertencer aquilo de que nos declaramos amantes: a sabedoria. Sim, quando estivermos mortos, tal como o indica o argumento, e não durante nossa vida! Se, com efeito, é impossível enquanto perdura a união com o corpo, obter qualquer conhecimento puro, então de duas uma: ou jamais nos será possível conseguir de nenhum modo a sabedoria, ou a conseguiremos apenas quando estivermos mortos...”.(Platão, Fedon 66d) Esta forma de colocar a questão teria sido abandonada quando Platão e Aristóteles estabeleceram que existia alguma coisa permanente no conhecimento do mundo, qual seja a “essência”. Desta posição seguia a conclusão que o ser humano poderia atingir o método correto de descobrir a "essência" do mundo.

O ponto central do argumento é que, no desenvolvimento do pensamento Ocidental, a Filosofia é originalmente associada com “conhecimento transitório”. Esta parece ser a forma Socrática de entender Filosofia.

A diferença entre as tradições Socrática e Platônico-Aristotélica de enfocar o problema do conhecimento pode ser vista na forma como elas interpretam a questão do método do conhecimento humano.

O método de Sócrates - a 'maiêutica' - pode ser interpretado como um método para testar e destruir as falsas idéias.(7) Na interpretação Socrática, o 'problema da fundamentação' não é a questão da verdade. Ninguém é suficientemente sábio para garantir a veracidade de alguma idéia. A questão da validação do conhecimento torna-se o problema de identificar o conhecimento que resiste às críticas. Isto é, idéias que resistiram à crítica podem ser consideradas como "conhecimento válido".

Entretanto, como sempre existe a possibilidade de outras críticas, não existe um conhecimento final ou permanente. O "conhecimento válido” é mais propriamente expresso com a idéia de "o melhor conhecimento”, do que com a idéia de "verdadeiro conhecimento". "O melhor conhecimento" é aquele que resulta da "melhor pesquisa". Nesta interpretação, "o problema da validade do conhecimento humano" implica a questão de encontrar o conhecimento que responde a "novas investigações", e de apontar o conhecimento que é ”mais resistente” no confronto com a realidade.

Segue-se deste argumento que o problema da validade do conhecimento é dissociado do "problema da fundamentação", e conseqüentemente, da questão sobre a origem de nossas idéias. Essa forma de enfocar a epistemologia é metodológica. Pois ela trata o método como um instrumento de crítica e debate, escapando assim à questão da construção da verdade permanente.(8)


4


Na base da epistemologia proposta por Platão e Aristóteles estava a idéia de que o método da intuição intelectual era a forma perfeita para encontrar a verdade das coisas. Essa idéia torna-se a partir de então um tipo de pressuposto geral do desenvolvimento da teoria do método no pensamento Ocidental.

O debate que se seguiu à confrontação entre Platonismo e Aristotelismo parece desconsiderar a tradição Socrática de encarar o conhecimento de forma crítica. De Platão e Aristóteles a discussão epistemo16gica é encaminhada no sentido de procurar a solução para o problema da validação do conhecimento humano. Abandona-se a questão da possibilidade de validação do conhecimento. O problema fundamental das epistemologias Platônica e Aristotélica consiste em encontrar a fonte do conhecimento verdadeiro. A questão da existência dessa fonte, ou se essa fonte era de alguma forma relacionada com a natureza humana, é completamente abandonada.

O período medieval parece expressar o desenvolvimento dessa tradição dogmática. A Escolástica incorporou a epistemologia Platônica e Aristotélica. A epistemologia Escolástica pode ser vista como uma tentativa de conciliar os aspectos mais característicos da Díalética de Platão com a Lógica de Aristóteles. O método Escolástico da “Disputa” baseava-se na idéia que a intuição intelectual era o resultado de alguns procedimentos metodológicos descritos por Platão e Aristóteles. Contudo esse processo era propriamente estabelecido quando as conquistas da razão humana eram submetidas à tutela do "argumento de autoridade".

De uma forma geral, os filósofos escolásticos entendiam que “a Filosofia era uma serva da Teologia”. Isto significava que o conhecimento humano deveria ser submetido às verdades reveladas. A "verdade divina", que o ser humano poderia atingir através da fé, era a garantia para o verdadeiro conhecimento que poderia ser atingido por meio do conhecimento humano.

Uma vez mais, com a Filosofia Escolástica, o "problema da fundamentação" era retomado em sua forma original. O método da "Disputa" implicava a existência de uma garantia divina para o conhecimento humano.

O método medieval da Disputatio parece ser embasado no mesmo enfoque essencialista de Platão e Aristóteles. Ele continha a idéia que o significado de nossas teorias é descrever a essência do mundo. Neste sentido, o conteúdo do conhecimento humano deveria ser compatível com o conhecimento revelado.

Em conseqüência disto, a Astronomia de Ptolomeu, e a Teoria Geocêntrica, somente poderiam ser mantidas enquanto era também possível acrescentar às evidências empíricas - o fato de que podemos enxergar o sol movendo-se sobre nossas cabeças - a evidência “divina”, por exemplo, o fato que a Bíblia diz (Jos.; 10:12) que em certa ocasião Deus parou o sol no céu para que acontecesse a vitória de seu povo.

Esse tipo de enfoque, em sua estrutura epistemológica, permanece no período moderno, com o desenvolvimento do Racionalismo e do Empirismo. Bacon e Descartes parecem ser típicos exemplos das implicações de epistemologias otimistas e fundamentalistas.

A teoria baconiana da indução, e a teoria cartesiana da dúvida racional, eram fortemente influenciadas pela idéia de que os seres humanos poderiam atingir a verdade a partir da descoberta da fonte do conhecimento. Isto é, Bacon ao propor a autoridade da experiência, e a posição de Descartes fundamentando a autoridade da razão, não estavam muito distantes da teoria Medieval da autoridade da fé.

Discutindo o significado da contribuição de Bacon e Descartes para o desenvolvimento da teoria do método do conhecimento humano, Popper diz: "Apesar de suas tendências individualistas, eles não se importaram em apelar para nosso julgamento crítico - ao seu julgamento, ou ao meu; talvez porque eles sentiram que isso poderia levar ao subjetivismo e à arbitrariedade. Assim, por qualquer que tenha sido a razão, eles certamente foram incapazes de, mais do que eles próprios desejaram, parar de pensar em termos de autoridade, Eles poderiam somente substituir uma autoridade - aquela de Aristóteles e da Bíblia - por outra. Cada um deles apelou para uma nova autoridade; um socorreu-se da autoridade dos sentidos, e o outro buscou autoridade do intelecto" (Popper, Karl R. - Conjectures & Refutations, Londres, Routledge & Kegan Paul, 1963, pp. 15/16).

Desta forma, as epistemologias de Bacon e Descartes construíram duas novas autoridades dentro de cada ser humano: os sentidos e a razão. Popper argumenta que essa forma de solucionar a questão implica que os seres humanos têm duas dimensões diferentes: uma responsável pela verdade - a “observação” na Filosofia de Bacon, e o "intelecto" para Descartes - e outra dimensão inferior que é responsável pelos nossos erros.

Seguindo-se essa interpretação das epistemologias de Bacon e Descartes parece razoável dizer que os seres humanos são totalmente responsáveis por seus próprios erros. Eles teriam à sua disposição os instrumentos necessários para identificar a verdade. Eles somente se enganam ao se deixarem submeter às más influências de sua dimensão inferior.

Com essa idéia de que o ser humano é a fonte de sua própria ignorância, foi preservada na moderna epistemologia a distinção entre "Opinião" e "Conhecimento Verdadeiro".(9)

A principal distinção entre as epistemologias medieval e moderna é a substituição do Instrumentalismo pelo Essencialismo. Por um lado o enfoque essencialista da epistemologia medieval estabeleceu que a tarefa das nossas teorias racionais é captar a essência do mundo. De outro lado, o instrumentalismo das epistemologias modernas implica que as teorias são simples instrumentos do pensamento, e que por si próprias elas não podem produzir qualquer evidência de que se referem ao mundo exterior.(10)

Nessa visão instrumentalista, nossas teorias são instrumentos de explicação do mundo, são instrumentos do conhecimento. Por essa razão não podemos descobrir o que a natureza é em si mesma. O que conhecemos é a forma como a natureza revela-se a si própria para a mente do ser humano.


5


O entendimento dogmático da racionalidade parece ter sido bem sucedido na Filosofia Ocidental. Pois, a idéia de que a racionalidade pode ser identificada com a capacidade de conhecer a verdade, parece estar na base de importantes teorias epistemológicas contemporâneas.

O que se argumenta aqui é que o desenvolvimento epistemológico do mundo Ocidental ocorreu de forma que o "enfoque otimista" é implicado em muitas das correntes de análise do conhecimento humano. Isto significa que o pressuposto de que "o ser humano pode conhecer a verdade" é tem sido considerado uma posição epistemológica segura.

Conforme foi anteriormente apontado, o “otimismo epistemológico” parece ser conseqüência de uma certa tradição do pensamento grego. O que se pretende aqui sugerir é que a tradição grega de racionalidade não é indisputável. Essa tradição pode ser interpretada em formas diferentes, dependendo de se querer acentuar o caráter crítico ou dogmático da racionalidade.

O otimismo epistemológico parece ser o fundamento do dogmatismo. Isto significa que a teoria que homens e mulheres podem conhecer a verdade - porque existe uma verdade nas coisas, e porque homens e mulheres possuem métodos para alcançar a verdade - implica dogmatismo. Por outro lado, o dogmatismo coloca homens e mulheres em uma atitude de contínua segurança e de defesa do conhecimento adquirido. Desta forma, existe uma certa dose de violência e conservadorismo que são as conseqüências práticas do fundamentalismo epistemológico.



6


Neste texto se pretende resgatar a idéia de "razão crítica" no sentido que lhe é dado pela teoria Popperiana. Popper procura explorar o conceito de racionalidade conforme o desenvolvimento da tradição grega na sua forma pré-socrática e Socrática. E nesse sentido a 'razão crítica' é oposta à razão dogmática.(11)

Popper argumenta que essa forma tradicional de entender os problemas mais básicos da epistemologia em termos críticos, quase desapareceu no desenvolvimento da civilização Ocidental; principalmente durante o período considerado o apogeu da Filosofia Grega e durante a Idade Média.

A revolução científica empreendida por Galileu pode ser interpretada como o renascimento daquela epistemologia que tem sua origem na Filosofia pré-socrática e em Sócrates e que inspira a interpretação da razão como instrumento de investigação hipotética sobre a realidade. Popper diz:

"Um dos mais importantes ingredientes de nossa civilização ocidental é o que eu chamo de "tradição racionalista", a qual nós herdamos dos gregos. E a tradição da discussão crítica - não por si mesma, mas no interesse da busca da verdade. A ciência grega, assim como a Filosofia Grega, foi um dos produtos dessa tradição, e da necessidade de entender o mundo no qual nós vivemos; e a tradição fundada por Galileu teria sido a sua renascença" (Popper, op. cit., p. 101).

Contudo, a violenta intervenção da Inquisição colocou um fim na proposta de Galileu de encontrar uma metodologia crítica para a Ciência. As poucas iniciativas de tomar seriamente a idéia de razão crítica que aconteceram no desenvolvimento da epistemologia, terminaram em violenta reação daqueles defensores da razão como um instrumento de dogmatismo.

Somente no começo do século XX, com o que poderia ser chamado de Revolução Einsteiniana na Física, teria sido restabelecido aquele enfoque crítico da racionalidade humana.

A forma de entender as teorias científicas aqui sugerida é baseada na idéia que o mundo necessita ser entendido através de teorias testáveis.(12) Contudo, essas teorias são tentativas de descrever verdadeiramente o mundo.(13)

O essencialismo ou instrumentalismo são substituídos, na moderna revolução do conceito de ciência, pelo conjeturalismo ou hipoteticismo que interpreta as teorias científicas como hipóteses ou conjecturas legítimas. Elas são instrumentos informativos que se referem à realidade. Quanto mais conteúdo elas têm, tanto mais interessantes elas são. Elas são também resistentes aos testes. E o significado desses testes é demonstrar quão informativa elas são perante a realidade.(14)


Conclusão


Como conclusão deste capítulo são apresentadas algumas idéias referentes ao caráter dessa "racionalidade crítica". Primeiramente, parece que o conhecimento racional somente pode ser expresso por meio de hipóteses. Isto é, ele não pode ser identificado, em nenhum sentido, com a verdade final. Ele é sempre uma tentativa de explicar o mundo que não pode ser despojado de seu caráter conjetural.

Disto segue-se que a razão humana não pode ser interpretada como a fonte da verdade, mas sim como um instrumento para identificar os erros dos seres humanos. Assim, a razão humana tem um poder revolucionário, pois a sua tarefa é apontar o que está errado e o que deveria ser modificado no mundo do conhecimento, e conseqüentemente no mundo da ação humana. A razão é principalmente um instrumento para a transformação da realidade.(15)

Um terceiro ponto refere-se ao caráter coletivo da razão crítica. Pois, se a razão é um instrumento de teste, então a crítica mútua e o debate são as formas mais importantes de detectar o erro. Por outro lado, a comunidade científica pode ser vista como um exemplo do sucesso dos instrumentos de testes. Isto sugere que sem os outros, sem os demais seres humanos, qualquer forma de crítica mútua e discussão é impossível.

Do exposto se conclui que existem duas posições epistemológicas básicas hoje em dia. De um lado temos a epistemologia que implica o conceito de razão dogmática. Essa epistemologia - e o princípio otimista que ela encerra - pode justificar como racionais certas utopias e teorias violentas. O que isto significa é que essa epistemologia implica a racionalidade de teorias utópicas que podem parecer excelentes para contemplar o mundo, mas que são impossíveis de serem mantidas como formas de transformá-lo. Ela implica ainda a justificação de teorias violentas, isto é, teorias que contêm a conclusão de que se alguém se recusa a aceitar a verdade, então deve ser corrigido em sua natureza perversa.(16)

Por outro lado, existe uma epistemologia baseada no conceito de “razão crítica”.(17) Essa epistemologia identifica como racionais certas teorias críticas e realistas. Isto é, teorias que são testadas para se descobrir se elas são apropriadas para transformar a realidade, e que são construídas de forma a que nunca venham a perder o seu caráter conjetural.

Esta visão da razão humana como instrumento crítico levanta o problema da identificação das características metodológicas de uma explicação racional e crítica. A teoria da explicação científica de Popper parece ser um excelente exemplo de como a metodologia da Ciência pode ser entendida em termos de uma epistemologia da razão crítica. O que aqui se sugere é que a teoria do método científico de Popper pode ser considerada como um enfoque que não desconsidera o caráter crítico da razão humana.



NOTAS E REFERÊNCIAS



1. Popper, Karl R. - Conjectures & Refutations, Londres, Routledge and Kegan Paul, 1963, p. 74.

2. Para maiores considerações sobre a idéia de "epistemologia fundamentalista" ou "epistemologia funcionalista", ver Albert, H. - Treatese on Critical Reason, Princeton, New Jersey, Princeton University Press, 1985, pp. 39/48.

3. Ackermann, Robert John - The Philosophy of Karl Popper; Anherst, University of Massachussets Press, 1977, p. 44.

4. Albert, Hans - op. cit., p. 12.

5. Albert, Hans - op. cit., p. 12/13.

6. Popper, Karl R. - op. cit., p. 1 1.

7. Discutindo o caráter crítico do método de Sócrates Popper diz: "A arte “maiêutica” de Sócrates consiste, essencialmente, em perguntar questões construídas para destruir os preconceitos; falsas crenças que são frequentemente as crenças tradicionais ou da moda; falsas respostas, dadas com o espírito da mais ignorante presunção. O próprio Sócrates não finge saber. Sua atitude é descrita por Aristóteles com as palavras: 'Sócrates levantava questões, mas não lhes dava respostas; pois ele confessava que não sabia' (Sophista, 183b7, cf. Theaetetus, 150-c-d, 157c, 161b). Então a 'maiêutica' de Sócrates não é a arte que objetiva ensinar qualquer crença, mas sim que visa limpar e purificar (cf. alusão a Amphidromia em Theaetetus 160e) a alma de suas falsas crenças, seus aparentes conhecimentos, seus preconceitos. Ele consegue isto ao ensinar-nos a duvidar de nossas próprias convicções" (Popper, Karl R. - op. cit., pp. 12/13).

8. Popper, Kari R. - op. cit., p. 13.

9. A análise de Popper desta questão sugere que essa distinção entre "Opinião" e "Verdadeiro conhecimento" implica a idéia que o ser humano tem um elemento divino em sua natureza que é responsável pela verdade. Contudo, essa distinção contém a teoria de que nossos erros são relacionados com uma certa "maldade" ou "natureza má" dos seres humanos. Ele diz: "Assim nós estamos divididos em uma parte humana, nós mesmos, a parte que é responsável pelas nossas opiniões falíveis (doxa), por nossos erros, e por nossa ignorância; e uma parte sobre-humana, assim como os sentidos ou o intelecto, a parte que é a fonte do conhecimento real (episteme), e que possui uma autoridade quase divina sobre nós" (Popper, Karl R. - op. cít., P. 17).

10. Popper caracteriza a metodologia instrumentalista com as seguintes idéias: "Suas descobertas são meras invenções mecânicas, suas teorias são instrumentos - utensílios, ou talvez super-utensílios. Ela não revela nem pode revelar-nos mundos novos por detrás de nosso mundo cotidiano de aparências; pois que o mundo físico é mera superfície: ele não tem profundidade. O mundo é somente o que ele parece ser. Somente as teorias científicas não são o que elas parecem ser. Uma teoria científica nem explica nem descreve o mundo; não é nada senão um instrumento". (Popper, Karl R. - op. cit., p. 102).

11. Para uma análise extensiva da disputa entre Popper e Kirk sobre a interpretação da filosofia pré-socrática, veja Lloyd, G. E. R.; "Popper Versus Kirk: A Controversy in the Interpretation of Greck Science", in British Journal for the Philosophy of Science, Vol. XVIII, 1967, especialmente pp. 21/26. Ele analisa uma série de eventos tirados da História da Ciência, com a intenção de apontar a necessidade de mais pesquisa sobre o problema discutido por Popper e Kirk. Veja também Popper, Karl R. - op. cit., pp. 136,/153, e pp. 153/165. Veja também Kirk, G. S. - "The Pressocratic Philosophers", Kirk, G. e Raven, J. E., Cambridge University Press, 1957; do mesmo autor veja ainda "Popper on Science and Pressocratics", Mind, 69, 1960, pp. 318,/339; do mesmo autor "Sense And Common-Sense in the Development of Greck Philosophy", Journal of Hellenic Studies, 81, 1961, pp. 105/162.

12. A tese que "enquanto cientistas nós necessitamos sempre procurar a verdade, contudo nós não podemos nunca afirmar com certeza tê-la conquistado", expressa a base do "falibilismo" de Popper. Veja Burke, T. E. - The Philosophy of Karl Popper, Manchester, Manchester University Press, 1983, p. 81.

13. Caracterizando o conhecimento científico como a expressão mais importante da tradição grega socrática, Popper diz: "Nesta tradição racionalista a ciência é valorizada, admitidamente, por suas conquistas práticas; mas é ainda mais significativamente valorizada por seu conteúdo informativo, e por sua habilidade de libertar nossas mentes de velhas crenças, velhos preconceitos, e velhas certezas, e de oferecer-nos em seus lugares novas conjecturas e importantes hipóteses. A ciência é valorizada por sua influência libertadora - como uma das mais importantes forças que colaboram para a liberdade humana" (Popper, Karl R. - op. cit., 1963, P. 102).

14. Popper identifica essas características epistemológicas como "Essencialismo Modificado" ou "Realismo Epistemológico". Ele diz: "Esse 'terceiro ponto de vista' não é nem verdadeiramente espantoso nem surpreendente, eu penso. Ele preserva a doutrina Galileana de que o cientista objetiva a uma verdadeira descrição do mundo, ou de alguns de seus aspectos, e objetiva uma verdadeira explicação dos fatos observáveis; e combina essa doutrina com a visão não-galileana de que, embora este seja o objetivo do cientista, ele não pode nunca conhecer com certeza se suas descobertas são verdadeiras, entretanto, ele pode, algumas vezes, estabelecer com razoável certeza que uma teoria é falsa" (Popper Karl R. - op. cit., 1963, pp. 114/115).

15. Embora não pretenda me envolver em demasia na disputa entre autores popperianos e pensadores da Escola de Frankfurt (para uma discussão detalhada dessa disputa veja Popper, Karl R. e outros, The Positivist Dispute in German Sociology, Londres, Heinemann, 1969), contudo, gostaria de fazer algumas considerações a propósito de alguns pontos referentes às supostas diferenças entre as partes envolvidas nesse debate. Popper argumenta de uma posição que ele chama "racionalismo crítico" (Popper, Karl R. - op. cit., pp. 87/104). Por outro lado, o conceito de "teoria crítica" tem sido desenvolvido pelos membros da Escola de Frankfurt (Veja Malherbe, J. F. - La Philosophie de Karl Popper et le Positivisme Logique, Paris, P.U.F. , 1979, pp., 264/283). Tem havido uma disputa sobre a questão de se saber se Popperianos e Frankfurtianos usam o conceito de "crítica" com o mesmo sentido. J. F. Malherbe argumenta que as teorias de Popper são em certo sentido teorias "tradicionais" (não-"críticas") e que em certo sentido elas seriam igualmente "críticas" (no sentido dado a esse termo pela hermenêutica ou dialética). Ele afirma que são características do racionalismo "tradicional": a) a dicotomia entre fatos e normas, pensamentos e seres, ciência e ética; e b) o uso de um tipo de argumento que privilegia a lógica puramente dedutiva (Malherbe, J. F. - op. cit., 1979, p. 264). O ponto central de seu argumento é que essa forma "tradicional" de entender o racionalismo exclui a questão dos fatos do domínio da discussão sobre ciência. Ela reduz a análise crítica da ciência ao estudo das relações entre proposições (Malherbe, J. F. - op. cit., 1979, p. 269). Não posso concordar com a conclusão de J. F. Malherbe de que a análise que Popper faz da ciência, e especialmente sua análise sobre racionalidade crítica, é baseada em sua visão crítica da ciência, no sentido de teoria das relações entre proposições. Ele argumenta, erroneamente em minha opinião, que a teoria do método científico de Popper é um mero estudo das relações lógicas entre proposições que expressam teorias científicas. Essa interpretação parece, contudo, desconhecer o fato que a análise do método científico proposta por Popper não pode ser dissociada da prática dos próprios cientistas. Mesmo a preferência pela racionalidade - pela racionalidade "crítica" - é justificada por Popper em termos de uma preferência por certas conseqüências específicas que ele entende serem as conseqüências práticas desse tipo de racionalidade. Popper argumenta que a atitude racionalista não pode ser fundamentada por argumentos lógicos ou pela experiência. Porque argumentos e experiências somente podem impressionar aqueles que já adotaram previamente a atitude racional (Veja Popper, Karl R. - The Open Society and Its Enemies, Londres, George Routledge & Kegan Paul, 1945, Vol. 2, p. 230). Popper diz: "Todas essas considerações demonstram, eu creio, que a ligação entre racionalismo e humanitarismo é muito estreita, e certamente mais próxima do que a implicação correspondente entre irracionalismo e a atitude anti-igualitária e anti-humanitária. Eu creio que esse resultado é corroborado por experiências, tanto quanto possível. Uma atitude racionalista parece ser usualmente combinada com uma visão igualitária e humanitária; o irracionalismo, por outro lado, apresenta em muitos casos pelo menos algumas das tendências anti-igualitárias descritas, ainda que ele possa ser freqüentemente associado também com o humanitarismo. Meu ponto é que esta última conexão não é muito bem fundamentada" (Popper, Karl R. - op. cit., 1954, Vol. 2, p. 240).
O fato de Popper haver chamado sua análise de "lógica da descoberta científica" não significa que ele analisa a linguagem, ou a sintaxe, usada pelos cientistas. A "lógica da descoberta científica" de Popper é, acima de tudo, o estudo da metodologia, ou do modelo normativo, seguido pelos cientistas quando eles tentam resolver problemas. A teoria do método de Popper refere-se à questão de saber como os cientistas encontram os problemas científicos e eliminam os erros nas soluções propostas. Nesse sentido a "lógica da descoberta científica" é a teoria que permite a Popper apresentar uma solução convincente ao problema da objetividade do conhecimento científico e, ao mesmo tempo, elaborar uma visão sugestiva da questão da legitimidade da Ciência (Veja Gellner, E. - Legitimation of Belief, 2nd Edition, Cambridge, Cambridge University Press, 1979).

16. Veja Albert, H. - op. cit., 1979, pp. 205/206.

17. David Stove apresenta um violento ataque a Popper, Kuhn, Feyerabend e Lakatos. Ele entende que a "atitude crítica" que esses autores apresentam como característica da racionalidade contém uma posição irracional. Ele critica a "atitude crítica" afirmando que ela implica em ceticismo. Ele diz: "É a frívola elevação da 'atitude racional' em imperativo categórico da vida intelectual, que tem sido o mais influente e mais prejudicial aspecto da filosofia da ciência de Popper. Que ela é frívola deveria ser evidente a partir da tautologia de que é somente a crítica valiosa que tem valor; não a crítica em si mesma. A exigência de que os cientistas em geral devam ser críticos e inovadores, ao invés de simples seguidores, é ao menos, nas suas formas extremadas, auto-contraditória; assim como a exigência implícita daqueles educadores que desejam que toda criança seja excepcionalmente criativa. (Antes de reclamar da raridade de alguma grande capacidade crítica nos cientistas, os Popperianos deveriam ler Hume naquilo que ele chamou aquelas 'pessoas sem pensamento' que reclamam da raridade da grande beleza nas mulheres.) Ainda que em suas formas não extremadas, contudo, a apoteose da atitude crítica tem tido, como seu principal efeito, simplesmente isto: tem fortificado milhões de graduados e pós-graduados na crença, à qual eles já estão firmemente convictos por outras razões, de que a atitude contrária é tudo, e que a vida intelectual consiste numa 'discussão sem sentido sobre pequenas questões"' (Stove, David - Popper and After - Four Modern Irrationalists, Londres, Pergamon Press, 1984, p. 99).

10 comentários:

Prof. Luis A. Peluso disse...

Caros alunos,
Depois de ler o texto, faça, em 15 linhas, um comentário sobre o que vc. leu.

ney carvalho disse...

Na textualização de suas teorias Popper apresenta modelos adotados e explorados na Grécia no desenvolvimento das formas Pre-socrática e Socrática, e desenvolvimento de Aristóteles e Platão, então dividindo o conhecimento humano em dois seguimentos (Opinião e filosofia), onde todo pensamento coerente e organizado de apreensão metódica era classificado como filosófico, e idéias comuns sem fundamentação metodológica classificadas de opinião.
Foi longo o período de esquecimento da razão cientifica, ou da tentativa de esclarecer o conhecimento humano durante a idade media a base do conhecimento era de natureza divina e teocrática, após isso Galileu tentou e após forte intervenção da Inquisição conseguiu novamente enterrar essa tentativa de encontrar essa metodologia para a ciência. Somente com Einstein no inicio do século XX que voltou a estudar esse racionalismo da ciência.
Temos pensadores como Bacon e Descartes que estipulam que a verdade pode ser atingida com o descoberta da fonte desse conhecimento, propondo a autoridade da experimentação, enquanto Descartes propõe a autoridade da razão. Popper faz criticas a essas autoridades e analisa e propõe que o se humano pode ser dividido em dois pensamentos , o humano responsável pelos seus atos, ações e erros, e sobre-humanos responsável pelos sentimentos e intelecto.
O racionalismo critico não pode ser exemplificado, a não ser por hipóteses permanecendo sua característica conjetural.

Giuliano disse...

O texto discute o conhecimento como um todo e retrata passagens da história. O conhecimento era estudado e citado por grandes como Aristóteles, Platão e Sócrates que faziam separações e acreditavam que o mesmo era válido, não verdadeiro. Que sua mudança era natural e que as teorias eram "mais resistentes" se confrontadas com a realidade já que ninguém, jamais poderia afirmar a verdade sobre o mundo.
Na idade medieval, era entendido que as teorias deveriam descrever a essência do mundo e a fé também foi tomada como uma proposta para a experimentação e como uma autoridade.
Em seguida as epistemologias de Bacon e Descartes construíram duas novas autoridades dentro de cada ser humano: os sentidos e a razão já que os dois propunham como autoridade, não mais a fé, mas sim a experimentação e a razão.
Ainda era certo separar o conhecimento, como antes já ocorria. A distinção se dava entre "Opinião" e "Conhecimento Verdadeiro" separando então o "provado" ou "tido como verdadeiro até o momento" do conhecimento dogmático.
O entendimento dogmático da racionalidade parece ter sido bem sucedido, pois a idéia de que a racionalidade pode ser identificada com a capacidade de conhecer a verdade, parece estar na base de importantes teorias epistemológicas contemporâneas. Sendo assim o conceito de conhecimento volta para o lado de Popper, resgatando a idéia de "razão crítica". Esta que tem como base o debate e a discussão crítica, se opondo aos modos dogmáticos de conhecimento.
Enfim, o essencialismo é substituído, na moderna revolução do conceito de ciência, pelo hipoteticismo que interpreta as teorias científicas como hipóteses legítimas. Também resistente a testes sendo que, quanto mais informações sobre o mundo elas trazem, mais interessantes elas são.

Ale disse...

O texto mostra os argumentos da razão crítica e da razão dogmática, mostrando como uma vai contra a outra, e este fato ocorre desde os tempos antigos, com diferentes pensadores e escolas.
A razão dogmática implica na teoria de que o homem pode conhecer a verdade, tornar-se sábio, com uma postura segura e em defesa do seu conhecimento adquirido de teorias que não aceitam uma crítica, tal seu conservadorismo, de modo que não há um desenvolvimento, uma transformação. O ser humano atinge a verdade divina através da fé, e este é o verdadeiro conhecimento o qual pode ser atingido pelo ser humano. Popper critica a razão dogmática pelo fato de não ser um instrumento de debate para a razão humana e por teoria diz que esta produz conhecimento dogmático.
Em contra partida a razão crítica implica em teorias críticas e realistas, que desenvolvem um debate, entretanto não trazem certezas sobre a verdade, mas sim hipóteses, formas de tentar explicar o mundo, transformar a realidade e não perder o valor em meio a tantas críticas, críticas que só podem existir se houver outros para debaterem, portanto não há como uma pessoa ser conhecedora da verdade, sendo que há outra para debater tal conhecimento.
Em síntese, com o pensamento de Hans Albert, se temos algo que nos interessa queremos que isto seja verdade acima de qualquer possibilidade. Queremos que as coisas sejam como dizemos, sem contestação (produção da razão dogmática que Popper cita). Para alguns havia necessidade de um fundamento para esta verdade, este conhecimento que se cria, para outros havia o interesse de alcançar a essência real das coisas (a razão humana como instrumento de debate). Para Popper a fundamentação do conhecimento não é quesito de veracidade, e o método para alcançar a essência é instrumento de crítica. O conhecimento que resiste às críticas, que responde a novas investigações é o “conhecimento válido”.

Rodrigo Santiago disse...

Surgem então duas epistemologias para tentar entender a racionalidade humana: a fundamentalista, que aborda a questão da validade do conhecimento sob o ponto de vista de formar convicções verdadeiras sobre a realidade; e a realista que consiste em investigar o processo pelo qual as teorias racionais podem se desenvolver e evoluir.
Os primeiros que começaram a explicar tais questões foram os gregos. Eles definiram que o conjunto de todo conhecimento humano é chamado de Sabedoria que compõe as idéias possíveis, ainda não conquistadas e as idéias adquiridas, chamada de Filosofia. Nesse contexto surgem os grandes pensadores que dividem a filosofia em opiniões e idéias fundamentadas. Só que surge o problema da fundamentação da sabedoria humana, pois os pensadores acreditavam que a sabedoria poderia ser adquirida através da existência e ação de personagens mitológicos, denominados Musas. Isso era um problema, pois existia uma crença na existência de fontes para o conhecimento humano de natureza divina.
Com o desenvolvimento do pensamento grego surgem Platão e Aristóteles que distinguem conhecimento comum (doxa) do conhecimento buscado. Foi daí que houve a divisão do conhecimento humano adquirido já citado. As opiniões caracterizavam as idéias comuns e sem fundamentação, já as idéias fundamentadas para os pensadores poderiam ser alcançadas na busca da essência real das coisas.
A partir dessas proposições de Platão e Aristóteles a linha de tradição dos pré-socráticos foi quebrada, pois quando eles realizam essa distinção entre opinião e filosofia, eles restabelecem uma antiga forma de interpretar o conhecimento humano de tratar sobre o “problema da fundamentação”. Aristóteles estabeleceu que existe um conhecimento permanente no mundo e que o ser humano poderia atingir a essência do mundo.
A diferença entre as visões de Sócrates e de Platão e Aristóteles é na questão do método do conhecimento humano. Sócrates utilizava um método para testar e destruir as falsas idéias e as idéias que resistissem à crítica seriam consideradas como conhecimento válido, um conhecimento mais resistente em confronto com a realidade. Esse método que usa como instrumento a crítica e o debate escapam da construção da verdade permanente. Já Platão e Aristóteles utilizavam o método da intuição intelectual como forma perfeita de encontrar a verdade das coisas, procurando a solução para o problema da validação do conhecimento humano que consiste em encontrar a fonte do conhecimento verdadeiro. Os filósofos escolásticos e outros filósofos como Bacon e Descartes incorporaram esse método que se baseia em epistemologias otimistas e fundamentalistas com o desenvolvimento do Racionalismo e do Empirismo, onde nossas teorias são instrumentos de explicação do mundo.
O texto pretende resgatar a idéia de “razão crítica” segundo Popper, explorando o conceito de racionalidade conforme o desenvolvimento da tradição grega antes e depois de Sócrates. Nesse sentido a razão crítica é oposta à razão dogmática. Essa filosofia inspira a interpretação da razão como instrumento de investigação hipotética sobre a realidade. As iniciativas de tomar a idéia de razão crítica terminaram em repressão daqueles defensores do dogmatismo. Só com Einstein o enfoque crítico foi restabelecido. Por fim, essa forma de entender essas teorias científicas necessitam ser entendidas através de teorias testáveis, isto é, tentativas de descrever verdadeiramente o mundo.

Renato disse...

Pelo conteúdo do texto é visível que desde a Grécia Antiga já existia a dicussão sobre conhecimento, razão, racionalismo e etc. Foi nesse contexto que se definiu o que são os filósofos e os sábios. Filósofos são aqueles que procuram apenas parte da sabedoria, enquanto os sábios buscam entender completamente o mundo em que vivem, encontrar a verdade absoluta. Mas, dai vem a discussão: Há, de fato, como encontrar a verdade absoluta? Não, foi dito mais tarde. Se a busca pelo conhecimento implica em testá-lo, criticá-lo continuamente, nunca haverá uma forma de fazer um teste "final" para uma determinada teoria ou algo do tipo.
Outra forma de conhecimento bastante "imposta", principalmente na idade média, foi a razão dogmática, que apresentava verdades absolutas, sem testes, sem provas. Apenas havia de ser aceito aquilo que foi apresentado. Esse tipo de conhecimento logo perdeu sentido quando começou-se a questionar a teoria Geocêntrica, entre outros dogmas impostos, principalmente pela igreja da época.

IRS disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dono do blogg disse...

As bases da civilização ocidental foram em grande parte oriundas dos ideais gregos. De início o conhecimento humano não era mantido em “compartimentos”, mas sim em um único conjunto denominado Sophia (Sabedoria). Com o “problema da fundamentação” surgiram formas para se explicar como o conhecimento era adquirido, para os gregos inicialmente a religião tinha a resposta a este problema. Platão tentou separar o “conhecimento possível (Sophia)” e o “ainda não conquistado (Philosophia)”.
Os pré-socráticos se referiam como “amantes da Sabedoria” ao se referir à Philosophia. Esta mesma classe de pensadores havia notado que a busca pelo conhecimento era um processo infinito, e não seria possível, portanto encontrar uma verdade absoluta e estática ou um “ponto arquimédico”. Eles não distinguiam Sabedoria e conhecimento adquirido, em função da sua humildade em afirmar que nenhum homem pode ser denominado sábio.
Aristóteles e Platão tentaram dividir o “conhecimento comum ou Opinião (doxa)” do “conhecimento buscado ou Filosofia (epísteme)”, sugerindo que o primeiro poderia ser atingido a partir de idéias sem fundamento metodológico e o segundo poderia ser adquirido apenas com a utilização da lógica, que para Aristóteles é o mais importante método ou a Dialética, que para Platão é o mais indicado método. Estes dois filósofos em contraposição dos pré-socráticos acreditavam que o verdadeiro conhecimento poderia ser adquirido ao se descobrir a essência da natureza, movimento ao qual hoje se denomina essencialismo.Acreditavam também que a intuição era a melhor forma para se encontrar essas essências.Esta é considerada uma visão otimista do ponto de vista epistemológico.
Sócrates com seu método denominado maiêutica há a possibilidade de se testar as idéias e desabilitá-las caso fosse necessário. Assim surge a idéia de que uma para uma suposição ser considerada correta, esta deveria ser submetida a um crivo crítico. Mas ainda perdura o ideal pré-socrático de que a busca pelo conhecimento é tarefa eterna. O “problema da fundamentação” é dissociado aqui do problema da validade do conhecimento.
A Escolástica era um método epistemológico, advindo da época medieval européia, baseada no ponto de vista essencialista anteriormente discutido, só que interpretada do ponto de vista (dogmático) da religião católica, utilizando-se, por exemplo, um método conhecido por “Disputa”.
Na época moderna Descartes e Bacon surgiram como defensores árduos da razão.Porém, ainda acreditavam que o verdadeiro conhecimento poderia ser adquirido, e não estavam abertos à discussões com outras pessoas.O essencialismo foi substituído então pelo Instrumentalismo.
Para Popper a “tradição racionalista” grega só foi posta a público novamente com Galileu. Mas somente com Einstein esta ideologia encontrou novo e forte destaque.Atualmente o conjecturalismo e o hipoticismo imperam ao se discutir teorias cientificas, e o grau de satisfação ao se pô-las em testes, é o que mais importa.
Percebe-se então que o processo para perceber a necessidade de se afastar de idéias dogmáticas e essencialistas (Aristóteles, Platão e Escolástica) e se aproximar de ideologias mais abertas à crítica e que são mutáveis (pré-socráticos, Sócrates, Galileu, Einstein e Popper) foi longo e com reviravoltas.E nota-se que a influência dos gregos para a cultura ocidental foi unânime, tendo algumas de suas idéias existentes tal como eram até os dias atuais.
Contudo, independentemente da abordagem metodológica, o nobre ideal dos verdadeiros filósofos persiste, que seria o contemplamento do conhecimento por si só e a negação das coisas mundanas e repressoras para compreensão da sabedoria.

Ana Valle disse...

Através do texto dá para perceber a importância da história quando se pensa na abordagem do conhecimento. Os gregos se destacaram e foram responsáveis pelo surgimento de grandes sistemas filosóficos e também pela distinção entre “conhecimento comum” e “conhecimento buscado".
O conhecimento humano adquirido passou a ser dividido em "Opinião" e "Filosofia", segundo Platão e Aristóteles.
Tanto com os filósofos pré-socráticos como com Sócrates, foi desenvolvida a idéia de que havia uma distinção entre Sabedoria e conhecimento adquirido pelo pensamento grego. A partir daí percebeu-se que o homem poderia alcançar um determinado método para entender o universo que o cerca.
Houveram diferenças entre a visão Socrática e Platônico-Aristotélica quanto a questão do método do conhecimento humano.
Já na Idade Média, o conhecimento humano passou a ser submetido aos dogmas, a "verdade divina", e a Filosofia se tornou uma serva da Teologia.
Mais uma vez fica claro que os processos históricos influenciaram a abordagem acerca do conhecimento.
Segundo Popper, a razão crítica quase desapareceu no desenvolvimento da civilização Ocidental e somente no início do século XX, com a chamada Revolução Einsteiniana na Física, teria sido restabelecido o enfoque crítico da racionalidade humana, onde o mundo deve ser entendido através de teorias testáveis.

Unknown disse...

O interessante do texto é como ele mostra como o conceito de razão crítica, embora muito antigo (datando de Sócrates), foi negado durante milênios pelo simples motivo de que a maioria dos seres humanos não se sentem confortáveis com o fato de que não são capazes de obter o conhecimento verdadeiro. A razão dogmática está associada à ideia de que o ser humano pode conhecer a verdade. Esse tipo de pensamento é muito perigoso, pois além de limitar (na minha opinião) a capacidade de compreensão do mundo das pessoas, tirando assim sua beleza e grandiosidade, ainda pode levar ao desenvolvimento de ideologias perigosas, como o nazismo e o fundamentalismo religioso. Já a razão crítica nos diz que o ser humano não é capaz de obter o conhecimento verdadeiro. Ele pode apenas tentar busca-lo e identificar o conhecimento errado. Para terminar gostaria de expressar a minha opinião de que o texto corrobora a minha crença de que, desculpe o palavreado, os gregos eram fodas.